Há um livro muito interessante cujo título é exatamente "Bombas sobre São Paulo", que trata do bombardeio aéreo que a cidade sofreu durante o mês de julho de 1924. Ninguém lembra da revolução de 1924, como ninguém lembra de nada no Brasil.
O fato é que as bombas continuam caindo sobre a cidade. A única diferença é que as bombas daquele julho distante eram de verdade, produziam efeitos devastadores com inúmeras vítimas, casas destruídas, fábricas desfiguradas etc.
As bombas que caem hoje são menos visíveis, mas igualmente destrutivas. Atingem as inteligências debaixo de bombardeio constante sobre o que há de criativo no Brasil. As bombas de hoje despejam mediocridade sobre a cidade e o país. Os poucos sobreviventes desses bombardeios diários são obrigados a assistir à destruição intelectual de tudo o que nos restava de algum valor.
Pouco tempo atrás, soube que se planejava destruir as salas 4 e 5 do Espaço Itaú de Cinema, da rua Augusta, no centro de São Paulo. As notícias, sempre imprecisas, se prolongaram até agora, quando sou informado de que ainda há resistência visando a conservação das salas. É preciso entender que aquele oásis formado pelo conjunto de salas situadas na rua Augusta é, desde sua inauguração até hoje, um centro também de sobrevivência do cinema inteligente realizado em São Paulo e no Brasil.
Portanto, minha esperança no tombamento dessas salas responde também a uma defesa do meu trabalho e da minha profissão. Todos os meus filmes foram exibidos em todas as salas do complexo Itaú, desde a sala 1 até as salas 2, 3, 4 e 5. Isso não teria importância alguma se os filmes de praticamente todos os realizadores paulistas e brasileiros também não ocupassem essas mesmas salas.
A notícia de uma possibilidade de tombamento enche a todos do cinema paulista de esperança. As salas do Espaço Itaú de Cinema, a começar pelas salas 4 e 5, são os nossos abrigos antiaéreos contra as poderosas bombas da mediocridade.
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