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Conheça 'Tormenta', filme raro de 1930 resgatado em mostra

Longa que será exibido no IMS com música ao vivo pode ser visto 93 anos depois graças ao cinegrafista Igino Bonfioli

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São Paulo

A exibição de "Tormenta", que acontece nesta quarta-feira, às 20h, faz parte da exposição "Moderna pelo Avesso: Fotografia e Cidade, Brasil, 1890-1930". O filme assinado por Arthur Serra é de 1930 e terá como atração principal a trilha sonora criada por Juliana Perdigão e Craca.

Dito isso, a aventura principal não é tanto a que se desenvolve ao longo da trama deste melodrama, mas o da sobrevivência do próprio filme, que causou não pouca surpresa quando apareceu, há 50 anos, durante o 3º Congresso de Pesquisadores do Cinema Brasileiro, doada pela família do cinegrafista Igino Bonfioli à Universidade Federal de Minas Gerais.

Cena do filme 'Tormenta', de Arthur Serra, rodado em 1930 em Belo Horizonte - Banco de Conteúdos Culturais/Cinemateca Brasileira

Conforme o relato do professor José Tavares de Barros, importante pesquisador mineiro, a cópia estava em bom estado, com exceção do rolo final de que dois minutos foram perdidos por decomposição química. O essencial —a cópia foi preservada, foram tirados negativos de segurança em celuloide, já que a cópia preservada era em nitrato.

Dito isso, a trilha musical a ser apresentada não é um mero ornamento, pois a música é parte essencial da história, que se abre com o velho compositor tratando de criar a música "Destino". Daniel, seu filho, é o que restou do amor por sua finada mulher, cuja morte teve, ao que parece, relação com o vício de Jacques pelo jogo de cartas.

Conversa vai, conversa vem, Jacques é novamente atraído para o jogo, por um certo Guimarães. Daniel o surpreende e, sendo caçador —portanto afeito ao manuseio e uso de armas—, decide acertas as contas com Guimarães. Este puxa seu revólver com mais rapidez e atira, porém acerta o velho Jacques, e não seu filho.

O pai sobrevive apenas o tempo necessário para terminar a composição de "Tormenta". Daniel decide então dedicar sua vida a eliminar os Guimarães todos da face da Terra. Decisão que mantém até o dia em que é tocado pelo amor de uma mulher.

Fiquemos por aqui, pois mesmo o nome dessa mulher parece fazer parte de certas obscuridades da trama, em que personagens não raro surgem e desaparecem sem grande explicação. Questionada sobre seu nome por Daniel, responderá que "pouco importa o nome de uma mulher".

Pode ser uma afirmação do lugar ínfimo ocupado pela mulher na Belo Horizonte —e no Brasil— dos anos 1930. Mas pode ser apenas uma explicação para o mistério de dois nomes, Lúcia e Suzana, darem a impressão de ser a mesma mulher.

O espectador fará melhor se não se ativer a esses detalhes e se concentrar na música, pois além da composição de Jacques que surge no início, um grupo de músicos populares (entendamos, negros e sambistas) ocupará o centro da cena durante uma festa. Mais para o final haverá uma tempestade de que os efeitos sonoros podem bem dar conta.

O fato é que após a filmagem foi providenciada uma trilha, gravada em discos, para acompanhar o filme. Esses discos permaneceram na casa de Bonfioli por um bom tempo, até que sumiram de lá, conforme o testemunho das filhas do cineastas —reproduzido no belo livro "Pioneiros do Cinema Mineiro", de Paulo Augusto Gomes.

O mais intrigante em toda a história, mais até do que certas entradas e saídas de cena estratégicas dos personagens, é que o nome mais citado em toda essa história é o de Igino Bonfioli, e não o do diretor Arthur Serra.

Segundo as pesquisas de Tavares de Barros, o mais provável é que Serra tenha escrito o roteiro e se ocupado da direção dos atores, enquanto Bonfioli, figura essencial do cinema mudo de Belo Horizonte, tenha ficado com a câmera e concebido as superposições (os efeitos de imagem são o melhor do filme).

Bonfioli, nascido em 1886 na região de Verona, na Itália, chegou ao Brasil em 1897. Ele se dedicou ao cinema desde 1910 e sempre preferiu o trabalho técnico (trucagem, laboratório etc.) e o documentário à ficção.

No geral, "Tormenta" constitui sobretudo um documento sobre o conservadorismo da sociedade brasileira (ou mineira, em todo caso) no começo do século passado. Não só a trama, mas a própria evolução da trama para o trágico parecem indicar a necessidade de parecer "sério" diante de um público pouco disposto a encarar um filme brasileiro naquela altura dos acontecimentos.

Ao mesmo tempo, abundam os elementos que afirmam o caráter incipiente do cinema de Belo Horizonte, num momento em que cineastas mais talentosos, como Humberto Mauro, principal responsável pelo ciclo de Cataguases —na zona da mata mineira—, já haviam se deslocado para o Rio de Janeiro.

"Tormenta" faz parte dessa quadra tormentosa do cinema brasileiro, em que, mais do que as aventuras narradas pelo roteiro, levar até o fim a feitura de um longa-metragem era o que de mais aventuroso havia. Preservar as imagens criadas era outro cuidado que ocupou Igino Bonfioli até sua morte, em 1965 —é graças a ele que se pode, 93 anos depois, contemplar essas imagens, agora completadas pela trilha sonora ao vivo.

Tormenta

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