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Suzana Petropouleas

Karen Bachini vai para vale tudo em sua busca para ser 'descancelada'

Influencer que expôs ex-funcionária nas redes era ríspida e ignorou premissas básicas de respeito, diz sentença

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Suzana Petropouleas

Fez especialização e mestrado no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp, onde pesquisou sobre youtubers e tecnopolítica. É economista formada pela Unicamp e faz jornalismo na USP. Foi trainee da Folha e repórter de Especiais e Mercado, e é redatora do site do jornal. Cobriu eleições, pandemia e comportamento em outros veículos.

São Paulo

A internet parou no último dia 15 —ou, ao menos, a gigantesca bolha online que abriga influenciadores de moda e beleza no país— quando Karen Bachini, influenciadora com 2,6 milhões de seguidores no YouTube, expôs prints e áudios de uma ex-funcionária em vídeo que já soma mais de 1,2 milhão de visualizações.

Karen Bachini
Karen Bachini em vídeo sobre briga com ex-funcionária no YouTube - Reprodução/Youtube Karen Bachini

Engenheira contratada em 2019 por R$ 1.500 mensais para editar vídeos para a youtuber milionária, Priscilla Danielle diz que era obrigada a cumprir tarefas como limpar o cocô do cachorro no escritório improvisado no apartamento da chefe. Tudo meses após uma tentativa de suicídio e em meio ao câncer do pai, a crises de ansiedade e pânico e a críticas constantes da patroa, diz.

Ela deixou o trabalho ainda naquele ano, após uma crise de choro que sucedeu uma bronca sobre a falta de limpeza da casa da blogueira. Processou então a chefe por danos morais e perdeu, mas, contratada como microempresária individual, o regime MEI, ganhou o direito de ter o vínculo CLT reconhecido.

Insatisfeita com a resposta da Justiça ao caso, a funcionária decidiu fazer um "exposed" de Bachini em suas redes em novembro de 2022, quando a reputação da blogueira ruía graças a suas frases polêmicas.

Bachini foi detonada online. Recebeu críticas justas, e outras tantas cruéis e indesculpáveis. Dois meses depois, na quarta (15), lançou o vídeo-resposta que movimentou as redes.

Com ele, Bachini conseguiu o feito raro de se "descancelar", semanas após perder contratos e receber odiosas ameaças de morte. Agora, as mensagens em suas redes são dezenas de milhares de pedidos de desculpas de seguidores.

A surpreendente reviravolta no caso que movimentou as timelines do ramo pode até parecer um arco de redenção digno de heroína de filme. Não é.

Para limpar sua imagem no tribunal da internet que agora diz odiar, Bachini detona impiedosamente a ex-funcionária.

O subtexto de seu discurso é cruel —ainda que gentilmente, a influenciadora a retrata como uma pessoa fraca, preguiçosa, problemática, suja, mentirosa, ladra e má profissional, que não se adaptou ao negócio bem-sucedido que a influencer liderava.

Mas, na hora de reclamar para 2,6 milhões de seguidores que a ex-funcionária não trocava o lixo do banheiro do escritório em seu apartamento, ela convenientemente parece esquecer que empresas sérias têm profissional devidamente contratado e remunerado para a limpeza do espaço de trabalho —e esse funcionário não é o editor de vídeos.

As "testemunhas" que Bachini leva ao vídeo para contrapor a versão de Danielle são suas amigas e funcionárias —interessadas em defender sua versão. As provas? Prints de conversas e áudios soltos que só provam algo se amarrados no discurso carismático da influencer e em sua expertise em marketing.

Bachini sabe o peso do ódio online que agora reprograma para mirar a engenheira. Em outra rede, diz para aqueles preocupados com o risco de Danielle cometer suicídio que a família da moça foi preparada. "Chega de mentiras", posta ela ao também compartilhar o vídeo para seu 1 milhão de seguidores no Instagram.

O que ela não diz, quase sempre tão importante quanto o que é dito, é que também falta com a verdade quando afirma que o resultado do processo movido contra ela pela ex-funcionária "desmente tudo" que Danielle diz sobre o caso.

Ou quando afirma no vídeo que "a única coisa que a juíza reconheceu era o vínculo trabalhista, e todas as outras coisas eram alegações falsas".

Bachini sugere que a tentativa mal-sucedida de a processarem por danos morais prova que nunca destratou a moça. Mas não conta para seus milhões de seguidores que a sentença da 6ª Vara do Trabalho de São Paulo reconheceu que Danielle era tratada com "rigor excessivo".

"Restou provado que, de fato, a funcionária era repreendida em relação ao seu trabalho e, algumas vezes, de forma ríspida e não profissional", escreve a juíza do caso. A conduta da influenciadora com a moça, diz ainda, desrespeitou "as premissas básicas do trato social e do respeito humano e à dignidade da pessoa humana".

A sentença é linkada no próprio vídeo de Bachini, para reforçar seu argumento de que não há nada contra ela. Na lógica ágil das redes, é mais provável que a maioria bata os olhos no título do vídeo, leia um tuíte e sentencie que uma é santa, a outra, monstro. É o que fizeram com Bachini em novembro, e o que fazem agora com Priscilla Danielle.

Bachini cometeu erros. Danielle também. De acordo com a primeira, usou de seu cargo para ir a um evento, fez a chefe perder um cliente e deixou o trabalho levando seu contrato assinado e produtos de beleza. Nas redes, tem sido chamada de doida, mentirosa e coisa muito pior.

A internet, como sabemos, não perdoa e raramente dá segundas chances. Famosa, milionária e com milhões de seguidores, Bachini conseguiu uma. A ex-funcionária quase anônima, que acaba de ser defenestrada para mais de 3 milhões de seguidores, terá a sua?

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