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Bárbara Blum

Mesmo boicotado, jogo 'Hogwarts Legacy' é o melhor de Harry Potter

Feito por fãs, jogo do universo de Harry Potter chega mergulhado em polêmicas de JK Rowling, acusada de transfobia

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São Paulo

Um dos jogos mais aguardados do ano, "Hogwarts Legacy" cumpre, para os fãs da franquia "Harry Potter", o papel que nenhum jogo que o antecedeu jamais conseguiu. É um verdadeiro jogo de RPG do mundo bruxo, com uma experiência completa e imersiva no universo criado por JK Rowling nos anos 1990.

Foram algumas tentativas de trazer a escola da magia e bruxaria onde Potter estudou para o mundo dos games, entre apostas em parceria com a Lego, partidas de "quadribol" —a pelada dos magos— e jogos que acompanhavam os sete livros da série.

Mas nenhum deles entregava o que "Hogwarts Legacy" prometeu —e, de certa forma, entregou.

Hipogrifo em 'Hogwarts Legacy'
Hipogrifo em 'Hogwarts Legacy' - Divulgação

Anunciado em 2020, os desenvolvedores tentaram se afastar da polêmica figura de JK Rowling. Porta-vozes da Avalanche, pequena produtora do jogo, e da Warner, garantiam que ela não se envolveu diretamente com a criação de "Hogwarts Legacy".

Mas, apesar das vendas estrondosas, Rowling é a pedra no sapato desse lançamento. Depois de uma escalada de declarações de cunho transfóbico em redes sociais, que chegaram a comparar pessoas a trans a estupradores, nos últimos meses, o jogo entrou na mira dos defensores da causa.

Eles temem que a autora lucre com o jogo simplesmente por estar associado ao universo Potter. Streamers que fizeram resenhas do jogo foram acusados de financiar a transfobia da autora da série e os criadores de "Hogwarts Legacy" foram atacados repetidas vezes.

Sites especializados, como o IGN, chegaram a justificar a decisão por resenhar o jogo e separar a obra do autor apesar das posições de JK Rowling.

Os recordes de vendas e o sucesso em plataformas de streaming dão o tom. Por mais que Rowling seja persona non grata absoluta, seu universo mágico sobrevive apesar dela. E "Hogwarts Legacy" mostra que é pelas mãos habilidosas —e dispostas— dos fãs da franquia que a obra pode superar a autora.

Este texto, vale avisar, pode conter spoilers.

O jogo se passa em algum momento nos anos 1800, bem antes do período "potteriano" e da última aposta do universo, a série de filmes "Animais Fantásticos e Onde Habitam". A narrativa começa com a protagonista indo para Hogwarts no quinto ano —fãs do universo criado por Rowling saberão que casos assim são raros, para não dizer inexistentes.

Ela está acompanhada de um professor, com quem logo descobrimos que ela teve aulas de magia durante o verão, para entrar no ritmo dos colegas. Ou seja, além de transferida, a bruxa —ou bruxo— em questão não sabia magia até aquele ponto.

O jogo recai sobre o que "Harry Potter" tem de pior, a narrativa da criança excepcional. Sem explicação alguma, a jovem, cercada de bruxos experientes e especialistas em magia de toda sorte, é a única capaz de enxergar um tipo raro de magia antiga em um objeto.

A carruagem que levaria a bruxa e o professor para Hogwarts é atacada por um dragão —mais tarde entendemos que a investida está na conta de Ranrok, um duende que lidera uma rebelião.

A narrativa é destrambelhada. Mas começa aí um sem-fim de referências ao universo potteriano que até distrai.

Há testrálios, os cavalos esqueléticos alados que só podem ser avistados por aqueles que presenciaram a morte; chaves de portal, que fizeram sua estreia no nostálgico "Harry Potter e o Cálice de Fogo", quando Arthur Weasley leva a turma de Potter para a Copa do Mundo de "quadribol"; a penseira, espécie de bacia usada por Dumbledore para rever suas memórias.

É antes da chegada à escola que o jogador aprende o primeiro feitiço. Para adicionar o truque ao arsenal, é necessário desenhar a forma que cada encantamento assume com o controle. Depois, uma ou duas teclas bastam para acionar o comando em lutas.

O primeiro combate, na sequência dos primeiros feitiços, também se dá antes da chegada a Hogwarts. Por mais que o jogo pareça, pela narrativa, infantil, não é dos mais fáceis quando se trata das lutas. Nos combates, a bruxa tem a mãos a tal magia ancestral, mas, mais uma vez sem explicações ou treinamento.

Quando, enfim, o jogador chega a Hogwarts, a experiência muda de cara e assume de vez a faceta de RPG. Não são mais as referências que abafam a narrativa caótica, e o jogador começa a se envolver, de fato, com as pequenas tarefas da vida escolar, permeadas pelo mistério da magia ancestral e do duende. Tudo isso é permeado pelo ano letivo.

A primeira etapa, na linha do que os livros e filmes adiantam, é o "Chapéu Seletor", o momento de designação de uma das quatro casas da escola.

O jogador que espera um teste complexo —à la Pottermore, o site oficial da franquia— pode se decepcionar. No fim das contas, e ecoando a mensagem da própria narrativa, é o próprio jogador que escolhe sua casa. Os desenvolvedores garantem que a escolha da casa não tem grandes impactos sobre o desenrolar da narrativa —uma pena.

É nos cenários e na ambientação do universo bruxo que "Hogwarts Legacy" faz seu maior acerto. Com uma recriação do castelo de Hogwarts que bebe dos filmes na medida exata para que seja familiar, mas com liberdades suficientes para que seja novidade, passear pelo campus é tarefa agradável —e pode ser facilitada pela rede de pó de flu, meio de transporte bruxo que envolve uma rede de viagens por lareiras e corta tempo de quem prefere viajar pelo mapa a cruzar o castelo a todo momento.

Esta repórter jogou na casa Corvinal, pouco explorada visualmente pelas franquias de filmes e, portanto, terreno fértil para novidades. E é tudo deslumbrante. De cores azul e prateado, a decoração dos ambientes impressiona pelos detalhes. Muita atenção é dada a tapeçarias, cortinas, janelas e quadros que se movem.

Nos aposentos da Sonserina, também pouco explorados nos filmes, o capricho se repete. Segundo os livros, a sala comunal fica sob o lago da escola. O jogo aproveitou e criou uma janela que mais parece a visão de um aquário.

O mundo de Hogwarts se torna melhor ainda quando Hogsmeade, vilarejo vizinho à escola, se torna parte do jogo. É lá que a personagem, enfim, adquire a própria varinha —cena marcante da franquia "Harry Potter" e replicada de forma simpática no jogo.

Como na escolha das casas, fica por conta do jogador definir detalhes como o tipo da madeira, formato da varinha e do que será feito o interior dela. No caso da repórter, a escolha foi por madeira de macieira, interior de pelo de unicórnio e formato retorcido.

Os cenários são protagonistas de novo, mas não impressionam como de jogos como "Elden Ring" e até de "The Last of Us Part 2". O jogador pode explorar loja por loja em Hogsmeade e perder tempo interagindo brevemente com locais. Nada disso muda ou afeta a narrativa principal, que, a esse ponto, parece bastante fechada e põe em xeque se o jogo pode mesmo ser considerado de mundo tão aberto assim.

A interação do jogador com o ambiente não é lá essas coisas e as escolhas, principalmente de aparência e artefatos, mais parecem perfumaria, mas "Hogwarts Legacy" está anos-luz à frente de qualquer outro videogame do universo criado por JK Rowling.

Lembra uma experiência de ler uma fanfic, as histórias escritas por fãs baseadas em determinado universo. É necessário fazer uma certa vista grossa para bugs, falhas de roteiro e de continuidade, em nome de se inserir na história. Mas, no fundo, o esforço vale a pena, porque aquilo é tudo que um fã da saga sempre quis.

Hogwarts Legacy

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