Michel Houellebecq estrela filme pornô, mas tenta interditar lançamento

Diretor elogia performance sexual do escritor francês, que é frequentemente acusado de preconceito contra muçulmanos

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toulouse

Sexo e pornografia são elementos frequentes nas ácidas tramas do escritor Michel Houellebecq, um dos mais populares e controversos autores da França contemporânea.

Homens de meia-idade, incels, lésbicas, prostitutas e até zoofilia. O autor já explorou um catálogo de práticas sexuais tão extenso quanto explícito desde "Partículas Elementares", de 1998, seu primeiro grande livro, até "Serotonina", de 2019.

Agora, aos 66 anos, Houellebecq se aventura para além da literatura ao estrelar um curta-metragem pornô, com lançamento previsto para 11 de março.

Cena do curta-metragem pornô com o escritor francês Michel Houellebecq feito pelo coletivo holandês Kirac - Reprodução/KIRAC no Youtube

O filme é dirigido por um coletivo holandês de artistas chamado Kirac, sigla para Keep It Real Art Critics, algo como críticos de arte ainda verdadeiros, e foi intitulado "Kirac 27", obedecendo a uma sequência de episódios de uma série do grupo.

O trailer, lançado na semana passada, surpreendeu os franceses e, ao que parece, também o escritor. Houellebecq anunciou na semana passada que vai tomar todas as medidas, "amigáveis e contenciosas, tanto civis quanto criminais", para interditar tanto o lançamento do filme quanto o trailer divulgado, que ele e sua mulher julgaram "difamatório".

O trailer mostra o escritor aparentemente nu, numa cama, com os cabelos desgrenhados e o cigarro inseparável. Ele aparece também de pijamas, conversando na cama com uma jovem, com quem depois ressurge entre beijos e lençóis.

Sobre as imagens, o diretor do filme, Stephan Ruitenbeek, de 40 anos, narra uma história extravagante que ele afirma ser verdadeira.

Ele diz que vinha se correspondendo com Houellebecq por email. E que o escritor contou ter planejado uma viagem de turismo sexual ao Marrocos, onde sua mulher já havia contratado trabalhadoras do sexo que o atenderiam. Mas tudo teve de ser cancelado após ele receber uma ameaça de sequestro por extremistas islâmicos locais.

Ruitenbeek narra ter, então, anunciado ao escritor que conhecia várias garotas holandesas "interessadas em transar com o célebre escritor por curiosidade". E que poderia produzir esses encontros, mas com uma condição —a de que filmasse tudo.

Por meio de uma declaração tornada pública por seus advogados, Houellebecq e sua mulher, a chinesa Qianyum Lysis Li, afirmaram que encontraram no trailer "declarações sérias e falsas que os implicavam, minando violentamente sua dignidade".

Os advogados agora têm a missão de fazer o trailer ser retirado das plataformas sociais e de proibir do diretor e o coletivo de "qualquer exploração comercial ou não comercial, sob qualquer forma, do filme e de outras imagens de Houellebecq".

Procurado, Ruitenbeek, o diretor e representante do Kirac no projeto, não respondeu. Dias antes, durante entrevista por email, ele falou sobre o projeto.

"Estou interessado em sexo e em intimidade. E acho que o mesmo é verdade para Houellebecq", afirma Ruitenbeek a este jornal. "Há muito sexo nos livros dele, que, aparentemente, também está interessado em fazer sexo na vida real. Houellebecq explora isso diante das câmeras, fazendo arte como uma performance sexual."

O diálogo entre o escritor francês e o diretor holandês surgiu a partir de outro projeto do Kirac, um festival de arte em Amsterdã que teria Houellebecq e sua obra como tema.

"Fui a Paris para falarmos sobre isso, mas ele não apareceu no café no horário em que marcamos", conta Ruitenbeek. "Algum tempo depois, sua mulher apareceu e me disse que ele estava deprimido demais para ir."

Na conversa, Lysis Li teria revelado que o casal assistira ao episódio de número 23 da série do Kirac, intitulado "Honey Pot", com a mesma Jini Jane, codinome da estudante de filosofia de 22 anos Jini van Rooijen.

"O filme tem várias cenas de grande carga sexual entre ela e um filósofo de extrema direita. Lysis disse que Michel tinha gostado da atriz, que ela tinha ‘olhos de anjo’. E revelou que gostaria de envolver o marido em pornografia para o fazer feliz, pelo menos por um tempo." A partir disso, e da concordância de Van Rooijen, Ruitenbeek teria feito a oferta de filmar o escritor em ação.

A palavra do diretor holandês tem peso relativo. Como parte dos projetos do Kirac costuma navegar entre ficção e documentário, a história que Ruitenbeek conta só pode ser alocada no território da dúvida. O Kirac que fez fama na Holanda ao produzir vídeos controversos em que confronta artistas e suas obras supostamente para expor o que entende como superficialidade do mundo da arte.

Qualquer semelhança com o aclamado romance "O Mapa e o Território", lançado por Houellebecq em 2010, pode não ser mera coincidência, mas inspiração. Vencedor do Goncourt, o principal prêmio literário da França, o livro satiriza o mundo das artes parisiense a partir da trajetória do jovem artista Jed Martin.

Na trama, Martin tem um encontro com Houllebecq, apresentado como personagem, que critica artistas consagrados como Jeff Koons, Damien Hirst e Picasso, cujo trabalho chama de "estupidez extrema".

Como se vê, o romancista francês também gosta de embaralhar a fronteira entre ficção e documentário, tanto em seus livros como em suas já numerosas atuações no cinema. Além dos livros adaptados para as telas, o autor já se pôs na frente das câmeras no papel de si mesmo.

É o caso de "O Sequestro de Michel Houellebecq", de 2014, um falso documentário sobre o desaparecimento do autor durante uma semana em 2011, e de "Thalasso", de 2019, uma comédia em que ele e o ator Gerard Depardieu interpretam a si próprios num improvável encontro em um centro terapêutico de águas medicinais.

Essa experiência com a sétima arte foi útil ao projeto erótico do Kirac. Ruitenbeek diz que Houellebecq contribuiu para o roteiro com algumas ideias. "Ele criou um jogo de esconde-esconde, em que ele fica debaixo dos travesseiros e tem de ser procurado. Depois, pede que seu corpo seja usado como uma bola antiestresse", revela o diretor do Kirac.

"Filmar Houellebecq fazendo sexo foi interessante e inspirador. É diferente na vida real. Você tem que ver o filme para entender", tergiversa, lançando a isca para o lançamento do filme.

Cena do curta-metragem pornô com o escritor francês Michel Houellebecq feito pelo coletivo holandês Kirac - Reprodução/Kirac no Youtube

O anúncio e o trailer do curta-metragem pornô com Houellebecq do Kirac não foram capazes de provocar nos franceses as mesmas emoções despertadas pelas recentes declarações do escritor sobre o islã.

Em uma entrevista recente ao filósofo Michel Onfray, publicada na revista Front Populaire, Houellebecq disse que os muçulmanos são uma ameaça à segurança dos franceses não muçulmanos.

O romancista afirmou que "o desejo da população nativa francesa, como eles dizem, não é que os muçulmanos sejam assimilados, mas que deixem de roubar e atacar os franceses". "Ou, alternativamente, que saiam." Houellebecq previu ainda um futuro "Bataclan ao contrário" em relação aos muçulmanos. É uma referência direta aos ataques jihadistas de 13 de novembro de 2015, que mataram 130 pessoas e feriram mais de 500 em Paris.

O reitor da principal mesquita do país, na capital francesa, Chems-Eddine Hafiz, denunciou as falas de Houellebecq como "brutais" e disse que levaria o escritor à Justiça por "provocar discriminação, ódio e violência".

"Eu tenho muitos amigos muçulmanos e um grande respeito pelo islã, então, não estou preocupado com isso", disse Ruitenbeek, sobre o potencial contágio de seu trabalho pelos debates que envolvem o protagonista do filme.

Estaria a performance de ator pornô de Houellebecq à altura de sua literatura e dos escândalos em que se envolve?

"Em seus livros, Michel nunca se gaba de seu desempenho sexual", aponta Ruitenbeek. "Mas ele é um amante incrível, com grande resistência. Ele transou com Jini por três horas em várias posições, como um atleta de 20 anos de idade."

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