A primeira boneca que ganhei, e que hoje mora numa prateleira de casa, tem um mecanismo giratório que a faz rodopiar enquanto toca música.
O tema? "Rain Drops Keep Fallin’ on My Head", canção que, se você não tem tantos anos quanto os meus 42, talvez não signifique absolutamente nada, mas ensino —é apenas uma das infinitas composições de um cara tão gigante quanto Paul McCartney e Tom Jobim.
O criador do tema que embala a boneca compôs tanta, mas tanta coisa, que você também é fã de Burt Bacharach e só não sabia até agora.
Pegue, por exemplo, o filme "O Casamento do Meu Melhor Amigo", segunda melhor atuação de Julia Roberts ("Uma Linda Mulher" nunca será superado). Quase uma dezena das músicas tocadas no longa foi escrita por Bacharach.
Já na abertura, com as mocinhas randômicas se preparando para encontrar o príncipe encantado, conhecemos "Wishin’ and Hopin’", interpretada por Ani DiFranco. Cameron Diaz, a noiva contra a qual é impossível torcer, destrói no karaokê "I Just Don’t Know What to Do With Myself", que depois seria gravada pelo White Stripes e eternizada pela dança de Kate Moss no clipe em preto e branco.
Ainda no filme, seguimos com uma menção a "Do You Know the Way to San José?", em falsete na voz de um empolgado Rupert Everett.
É ele também, como o personagem George Downes, que comanda a icônica cena do restaurante em que todos cantam, bracinhos e garras de lagosta para o ar, o sucesso "I Say a Little Prayer", famosa na voz de Dionne Warwick.
É seguro dizer, aliás, que as músicas de Burt Bacharach em "O Casamento do Meu Melhor Amigo" contribuíram para uma das decisões mais controversas que tomei na vida —me casar aos 20 e poucos anos.
O filme, lançado em 1997, embalou, a exemplo da boneca giratória na infância, os sonhos da jovem que foi adolescente na década de 1990, quando ainda era legal para caramba ansiar por vestidos de noiva e marchas na igreja.
Desconfio que não quis um casamento por causa de Julia Roberts, Rupert Everett ou Cameron Diaz —eu quis mesmo um casamento por causa de Bacharach, mesmo. Assinando um papel e usando uma aliança, talvez a minha vida ganhasse uma trilha sonora dele.
Seria a salvação para quem temporariamente se entregara a drogas pesadas como Bon Jovi e Alanis Morissette, esquecendo um passado em que, além de "Rain Drops Keep Fallin’ on My Head", o que se ouvia eram delicadezas como The Beatles e The Carpenters.
O duo americano dos irmãos Karen e Richard, criado nos anos 1970, foi um dos incontáveis artistas que gravaram Bacharach. "Close to You" traz duas marcas registradas de Bacharach —profundo conhecimento do romantismo e um uso dele sempre nos limites da cafonice, sem nunca ultrapassar essas fronteiras.
Bacharach, lá nos anos 1970 e 1980, já adiantava o que hoje se canta nas sofrências —a entrega sem vergonha a um grande amor, além dos fracassos e das dores de corno.
Quer fossa mais profunda que "I’ll Never Fall In Love Again", cantada por artistas como Dionne Warwick e Elvis Costello? A música é puro suco de Burt Bacharach e de certo visionarismo musical.
O casamento que inventei para copiar o do cinema não deu certo, e acabou pouco depois da festa, mesmo com a bênção de Bacharach. Duas décadas depois, meu atual marido nunca ouvira falar do artista quando me conheceu. Músico e culto, conhecia as músicas, mas ignorava a autoria.
Foi convertido. Lá em casa, Burt Bacharach prega seus sermões ao menos uma vez por semana. E você, leitor, teria um minuto para a palavra de Burt Bacharach hoje?
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