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Livros Rússia

HQ sobre Putin se alimenta da contradição para retratar o Kremlin

Escrito por Andrew S. Weiss, 'Czar Acidental' não é resultado de uma pesquisa rápida na Wikipédia, mas de uma longa carreira

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O Czar Acidental

  • Preço R$ 89,90 (272 págs.)
  • Autoria Andrew S. Weiss
  • Editora Conrad
  • Tradução Mario Barroso
  • Ilustração Brian "Box" Brown

Nos primeiros capítulos do gibi "Czar Acidental", o protagonista dá um pouco de pena. O cara vive se dando mal —é escorraçado, humilhado e demitido. Mas o sentimento passa. Essa HQ, afinal, conta a história de Vladimir Putin, o vilipendiado presidente da Rússia conhecido por reprimir sua própria população, interferir em eleições estrangeiras e, mais recentemente, invadir a vizinha Ucrânia.

O livro se alimenta dessa contradição, que é seu elemento organizador. A tese do roteirista Andrew S. Weiss é que o mundo precisa parar de acreditar na narrativa do Kremlin de que Putin é um gênio infalível. Ao mesmo tempo, não pode subestimar o volátil e perigoso russo.

Imagem da HQ 'O Czar Acidental', sobre a vida do líder russo Vladimir Putin
Imagem da HQ 'O Czar Acidental', sobre a vida do líder russo Vladimir Putin - Divulgação

"Czar Acidental", que saiu no ano passado nos Estados Unidos e chega agora ao Brasil pela editora Conrad, com tradução de Mario Barroso, cumpre bem esse objetivo.

Weiss acompanha a trajetória de Putin, incluindo suas trapalhadas. Mostra sua carreira medíocre no serviço de inteligência russo, por exemplo. Começa, inclusive, com a história do dia em que ele desceu o sarrafo em um homem no metrô. Por causa da briga, que o deixou com o braço enfaixado, Putin foi expulso.

O roteirista também mostra, no entanto, como Putin conseguiu mais tarde criar a imagem de um funcionário leal e confiável, uma fama que de modo inesperado e imprevisível —pelo menos na narrativa de Weiss— o levou ao cargo de primeiro-ministro em 1999. Na prática, Putin não deixou o poder desde então. Virou presidente, voltou a ser primeiro-ministro e emendou outra vez na Presidência, que ocupa desde 2012.

É um bom livro. Sua maior qualidade é ser informativo. Não é resultado de uma pesquisa rápida na Wikipédia, mas de uma longa carreira. Weiss passou pela Casa Branca, pelo Pentágono e pelo Departamento de Estado americano. São 30 anos de experiência, durante os quais chegou a conhecer Putin em pessoa.

A trajetória de Weiss é relevante não só porque embasa seu conhecimento, mas também porque serve de lembrete ao leitor de que o roteirista passou sua longa carreira atrelado a visões de mundo e interesses americanos. Não é à toa que a capa do gibi traz um elogio de Madeleine Albright, que foi secretária de Estado americana. Não é um problema em si, mas o gibi tem de ser entendido pelo que é.

Às vezes, é uma perspectiva rala, como quando Weiss diz na introdução que "os líderes da Rússia logo descobriram que era muito mais divertido serem inimigos dos Estados Unidos". Em outras vezes, porém, consegue ser mais complexa —por exemplo, mostrando como, com o tempo, Putin desenvolveu um medo quase irracional de revoluções populares e uma suspeita obsessiva de interferência americana no país.

A contextualização política é um de seus trunfos. É uma leitura eficaz para quem quer conhecer melhor a Rússia e seu incontornável líder. É, nesse sentido, também um excelente presente para quem gosta de acompanhar o noticiário internacional.

As ilustrações de Brian "Box" Brown, do gibi "André, o Gigante: Vida e Lenda", são adoráveis. É um traço simples e humorado. As retículas, nome dado ao efeito pontilhado, dão uma textura bem-vinda às páginas. Os capítulos são quase todos monocromáticos, alternando entre vermelho, azul, amarelo e roxo. Funciona para descansar os olhos, apesar de que a escolha das cores não fica clara para o leitor.

Não há, no entanto, um excelente aproveitamento dos recursos narrativos das histórias em quadrinhos. Às vezes, "Czar Acidental" parece mais uma história ilustrada do que um gibi. Se o texto fosse impresso em uma folha de papel, sem desenhos, não se perderia tanto. Mas esse é um problema mais do formato de biografia informativa do que da capacidade do artista. Brown venceu em 2019 o principal troféu das HQs, o Eisner, na categoria de adaptação de história real.

O livro termina com a invasão russa da Ucrânia. O conflito ainda estava no começo, quando o gibi foi para a gráfica nos Estados Unidos, em março do ano passado. Weiss faz um ótimo trabalho —com base na extensa bibliografia que acompanha o volume— em contextualizar a decisão de Putin e a reação internacional ao ataque. Resta ver, nos próximos anos, se acertou suas previsões.

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