Profundamente problemática, diz Casa Branca sobre postura de Lula na Guerra da Ucrânia

Declarações do presidente brasileiro sobre conflito também foram rebatidas pela União Europeia

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Washington

A postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a Guerra da Ucrânia é uma "repetição automática da propaganda russa e chinesa" e "profundamente problemática", disse na segunda (17) John Kirby, coordenador de comunicação estratégica do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca.

"É profundamente problemático como o Brasil abordou essa questão de forma substancial e retórica, sugerindo que os Estados Unidos e a Europa de alguma forma não estão interessados na paz ou que compartilhamos a responsabilidade pela guerra", afirmou ele em conversa com jornalistas. "Francamente, neste caso, o Brasil está repetindo a propaganda da Rússia sem olhar para os fatos."

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em reunião ministerial dos cem dias de governo, no Palácio do Planalto, em Brasília
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em reunião ministerial dos cem dias de governo, no Palácio do Planalto, em Brasília - Gabriela Biló - 10.abr.23/Folhapress

No domingo (16), Lula afirmou que os EUA e a Europa prolongam a guerra, numa referência velada ao envio de armamentos a Kiev. "Putin não toma a iniciativa de parar. [Volodimir] Zelenski não toma a iniciativa de parar. A Europa e os EUA continuam contribuindo para a continuação desta guerra", disse.

Na semana anterior, o brasileiro já havia dito que a Ucrânia poderia ceder a Crimeia em nome da paz, em fala também condenada por Kirby. "Os comentários mais recentes do Brasil de que a Ucrânia deveria considerar ceder formalmente a Crimeia como uma concessão pela paz são simplesmente equivocados, especialmente para um país como o Brasil, que votou para defender os princípios de soberania e integridade territorial na Assembleia-Geral da ONU", afirmou o americano.

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, rebateu as críticas. Questionado, sem saber a princípio que as falas haviam partido de Kirby, desconversou. "Não posso dizer nada, porque nem ouvi e não sei do que se trata. Só posso dizer que Brasil e Rússia completam neste ano 195 anos de relações diplomáticas com embaixadores residentes, e, enfim, são dois países que têm uma história em comum", afirmou.

Vieira disse ainda que não concordava com o teor da crítica americana e afirmou que a Guerra da Ucrânia não foi tratada nem por ele nem por Lula no encontro com o chanceler da Rússia, Serguei Lavrov.

"O Brasil quer promover a paz, está pronto para se unir a um grupo de países dispostos a conversar sobre a paz", disse. "E essa foi a conversa que tivemos, foram os temas que abordamos. Ele [Lavrov] se ofereceu e eu me ofereci, em nome do Brasil, para promover essas conversas. Com o presidente também não se falou de guerra, e o presidente só reiterou o que tem dito, que o Brasil está disposto a cooperar com a paz."

Lavrov, criticado por lideranças das potências ocidentais por ser um dos maiores defensores da invasão ao país vizinho, desembarcou no Brasil nesta segunda, no começo de um giro pela América Latina que incluirá Venezuela, Nicarágua e Cuba. Questionado, Kirby afirmou esperar que, nas agendas pela região, "os líderes desses países [que recebem o russo] pressionem o ministro das Relações Exteriores [Lavrov] a parar de bombardear cidades, hospitais e escolas ucranianas".

Ele enfatizou ainda que os países são soberanos para receberem quem quiserem, mas disse esperar que "líderes soberanos encontrem tempo em suas agendas lotadas para se encontrar com autoridades ucranianas". Para o Itamaraty, a visita de Lavrov é uma prova de uma saudável independência brasileira.

Na viagem à China, Lula fez uma série de críticas aos EUA, questionou a predominância do dólar no comércio internacional e insinuou que Washington pressiona o Brasil a boicotar os chineses. Lula também visitou uma fábrica da Huawei, gigante das telecomunicações que é alvo de sanções dos EUA.

As declarações irritaram o governo americano, que, como mostrou a Folha, alega que os brasileiros não têm prezado pelo equilíbrio em seus posicionamentos e teriam adotado clara oposição a Washington.

O porta-voz para Assuntos Externos da União Europeia, Peter Stano, também rebateu as falas do presidente brasileiro sobre a guerra, enfatizando que a Rússia é a "única responsável" pelo conflito.

"O fato número um é que a Rússia —e apenas a Rússia— é responsável pela agressão ilegítima e não provocada contra a Ucrânia. Então não há dúvidas sobre quem é o agressor e quem é a vítima", disse Stano, acrescentando que o Brasil é um dos países que condenou a invasão ucraniana na ONU.

Segundo ele, não é verdade que os EUA e a UE contribuem para prolongar a guerra, mas, sim, que ajudam Kiev em sua legítima defesa. "Caso contrário, a Ucrânia enfrentaria a destruição. A nação ucraniana e a Ucrânia como país seriam destruídos porque esses são os objetivos declarados da guerra de Putin."

Stano acusou ainda as forças russas de cometerem violações de direitos humanos. Ele mencionou a destruição da infraestrutura energética, sequestros de crianças e assassinatos de civis que foram supostamente cometidos pelas tropas de Putin. "E os EUA e a União Europeia, juntamente com outros parceiros internacionais, ajudam a Ucrânia a exercer seu legítimo direito de autodefesa", afirmou.

Na véspera, Lula voltou a responsabilizar Kiev pelo conflito. Nos Emirados Árabes Unidos, onde fez uma parada ao retornar da China, o petista disse que a "decisão pelo conflito foi tomada por dois países".

Colaborou Renan Marra, de São Paulo

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