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Filmes

Ryuichi Sakamoto, além do cinema, marcou o electropop e o erudito

Músico japonês que venceu o Oscar faz importantes trabalhos solo e com a banda Yellow Magic Orchestra

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Sérgio Alpendre

É crítico e professor de cinema

Porto Alegre

Entre as várias perdas musicais que tivemos neste ano, a de Ryuichi Sakamoto foi uma das mais significativas. O compositor morreu em 28 de março, em Tóquio, mas a morte só foi anunciada neste domingo (2).

Provavelmente seu maior triunfo profissional seja a trilha sonora vencedora do Oscar de 1987 de "O Último Imperador", de Bernardo Bertolucci, e ele então ficou mais conhecido como compositor das trilhas de outros filmes do italiano, como "O Pequeno Buda", de 1993, ou "O Céu que nos Protege", de 1990.

O tecladista Ryuichi Sakamoto na capa de seu CD 'Smoochy' - Reprodução

Mas foi com duas trilhas sonoras para filmes de Brian De Palma que Sakamoto atingiu o mais alto nível de contribuição para o cinema. Em "Olhos de Serpente", de 1998, sua música ajudava Nicolas Cage a modular sua performance para poder encontrar o verdadeiro vilão por trás de um atentado.

Para a trilha de "Femme Fatale", de 2002, De Palma pediu ao compositor um pastiche do "Bolero" de Ravel. Sakamoto não gostou muito da encomenda, mas compôs uma grande partitura, responsável por boa parte do impacto da sequência inicial do filme.

Suas primeiras das muitas trilhas para cinema que compôs foram para "It's All Right, My Friend", de Ryu Murakami, e "Furyo: Em Nome da Honra", de Nagisa Oshima, ambas de 1983.

Deste último, ficou marcada a melodia do tema principal, mais conhecido como o nome original do filme, "Merry Christmas, Mr. Lawrence", no qual a singeleza da melodia ao piano inicial dá lugar a uma marcante explosão de piano e orquestra. O compositor voltaria a trabalhar com Nagisa Oshima em "Tabu", de 1999.

Os inúmeros créditos de compositor para cinema, vídeo e videogame formam uma parte considerável da contribuição de Sakamoto para a música. Mas talvez seu trabalho seja mais marcante pelos discos que lançou ao longo de seis décadas.

Em 1976, lançou, na companhia de Toshiyuki Tsuchitori, um disco já com experimentos eletrônicos chamado "Disappointment-Hateruma".

Em seguida, integrou a importante banda de electropop Yellow Magic Orchestra, cujo homônimo disco de estreia, de 1978, ajudou a impulsionar o synth-pop que chegaria ao ápice entre 1979 e 1984, aproveitando o caminho aberto pelos alemães do Kraftwerk.

De fato, o disco parece de uma época futura, de meados dos anos 1980, o que indica seu potencial de vanguarda. Mais conhecido pela sigla YMO, a Yellow Magic Orchestra será responsável por alguns dos discos mais desafiadores do período, incorporando os experimentos eletrônicos do Ocidente com um irresistível toque de música japonesa.

Música para pistas de dança, mas também para deliciar ouvidos mais exigentes com uma mistura criativa de universos musicais. A banda seguiria na ativa, lançando sete discos até dezembro de 1983, com um breve retorno disfarçado em 1993, pois o nome pertencia à antiga gravadora.

Os mais marcantes discos do YMO, além do primeiro, são "Solid State Survivor", de 1979, com o qual se confirmaram como mestres do synth-pop, e "Technodelic", de 1981. Este, incorporando o uso de samplers da cena hip hop, então nascente, acena para o que a música eletrônica se tornaria do final dos anos 1980 em diante. Lembra o que David Bowie fará em discos como "Outside", de 1995, ou "Earthling", de 1997.

Vanguarda propriamente dita, mas a banda era fruto do encontro de três forças —Ryuichi Sakamoto, Haruomi Hosono, o mais experiente dos três, também compositor de trilhas para o cinema, e Yukihiro Takahashi, que morreu em janeiro deste ano. Sakamoto era o responsável pelo lado mais experimental da banda.

Um mês antes de estrear com a YMO, em novembro de 1978, Sakamoto lançava seu disco solo de estreia, o excelente "Thousand Knives", que traz uma parcela maior de instrumentos não eletrônicos e outros sons que dão margem ao rótulo quase sempre enganoso da "World Music". Grosso modo, o trabalho solo de Sakamoto é menos dançante que o da banda, atingindo por vezes o minimalismo.

Sua carreira solo prosseguiria com vários discos situados entre o experimentalismo eletrônico e a ambição erudita. Todos são dignos de elogios, com destaque para "B-2 Unit", de 1980, um de seus trabalhos mais inspirados, "Ongaku Zukan", de 1984, "Futurista", de 1986, "Beauty", de 1989, "Sweet Revenge", de 1994, e "CHASM", de 2004.

A ligação com siglas e números é forte em toda a carreira, e iria culminar no último de seus discos, intitulado simplesmente "12", gravado quando o tratamento contra o câncer permitia e lançado em janeiro de 2023.

Nesta obra triste e atmosférica, excelente em seu minimalismo de piano e música eletrônica, os nomes das músicas são datas: "20220207", "20210310", "20220214", e assim por outras nove faixas.

É um belo último disco, coerente com o tipo de música que Sakamoto defendeu durante toda a sua carreira, também no cinema.

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