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Livro é uma obra suja que não deve ser sanitizada, diz Alexandre Vidal Porto

Autor e diplomata relança 'Matias na Cidade', seu primeiro livro, com modificações e afirma que não escreve para ganhar likes

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São Paulo

Sexo e morte estão à espreita de "Matias na Cidade", primeiro livro do diplomata Alexandre Vidal Porto. A obra começa pelo enterro do personagem-título, um homem de poucos amigos e de vida medíocre. Ele trai a esposa de forma compulsiva, enquanto ela encontra nas brigas um jeito de romper o silêncio que existe entre os dois.

Lançado em 2005, a obra volta às livrarias em uma nova edição que traz modificações no texto original. As mudanças, porém, não foram feitas para adequar o livro ao politicamente correto. Matias e sua esposa, Susana, continuam preconceituosos e elitistas.

O escritor e diplomata Alexandre Vidal Porto durante lançamento de seu segundo romance, 'Sergio Y. Vai à América' - Fabio Braga/Folhapress

A principal mudança se deu na estrutura narrativa do romance. "Queria deixar claro que o livro tem uma estrutura circular", diz o autor, ganhador do prêmio Paraná de Literatura pelo romance "Sergio Y. Vai à América".

O diplomata diz não ver com bons olhos a onda de revisionismo literário que está em voga. "Sou contra sanitizar um livro. Ele é uma obra suja que nasceu em um contexto sujo. Se quiserem apagar essa sujidade, quem vier depois não vai saber que ela existiu", diz o escritor, que não teme o cancelamento "Se quiser, pode cancelar. Não escrevo para ganhar likes."

O que motivou o senhor a reescrever o livro? Queria deixar claro que é uma estrutura circular. Que o fim da história é o que acontece antes da primeira cena do livro. Como foi a minha obra de estreia, eu era inexperiente. Além disso, a publicação foi muito rápida e isso acabou prejudicando a qualidade da primeira edição. Por isso, queria que os leitores lessem uma versão inteligível.

Como alterou o livro sem descaracterizá-lo? Isso é um exercício difícil. Não mudei tudo o que gostaria de mudar. As mudanças aconteceram caso a caso, porque não podia transformar muito o livro. Caso contrário, eu o reescreveria e o lançaria com outro título. Eu tinha que deixar mais claro os contornos do livro, mas não podia mudar a forma.

Quais foram exatamente as mudanças que o senhor fez? Tirei tudo o que era muito histriônico e adjetivado. Deixei o livro mais sóbrio e tentei dar um perfil mais humano à Susana. Na primeira versão, ela era só a mulher do Matias. Queria dar um relevo maior a ela e uma personalidade um pouco mais complexa. Ela estava meio apagada. Mas a personagem não podia se transformar na protagonista. Seria desonesto.

Matias é um personagem que desagradaria o politicamente correto. Ao escrever, tem alguma preocupação em não ofender minorias? Eu me preocupo. No entanto, tenho uma visão que é um pouco heterodoxa diante da ortodoxia do politicamente correto. Acho que há termos e palavras que são completamente inaceitáveis. Mas, às vezes, acho que existem exageros. O Matias é politicamente incorreto, mas eu não mostro isso como um elogio. Eu mostro isso de forma deplorável. Querer mascarar esse tipo de coisa e achar que o mundo é todo politicamente correto é se colocar para ser derrotado. As pessoas têm que ter consciência que isso existe.

De que modo o senhor avalia a exclusão de termos considerados ofensivos de livros clássicos? Sou contra sanitizar um livro. Ele é uma obra suja que nasceu em um contexto sujo. Se quiserem apagar essa sujidade, quem vier depois não vai saber que ela existiu e vai achar que foi tudo bonitinho. E a história volta como farsa. A tragédia sempre se repete.

Tem medo de alguma obra sua ser cancelada? Não escrevo para ser ou não ser cancelado. Não escrevo para ganhar likes. Se quiser, pode cancelar. Você não consome aquilo que você não gosta. Mas isso não quer dizer que o teu vizinho não vai ter o maior tesão por aquilo que você não gosta desde que esteja dentro da lei, da civilidade e do respeito à diversidade.

Matias na Cidade

  • Autoria Alexandre Porto Vidal
  • Editora Companhia das Letras
  • Preço R$ 64,90 (144 págs.)
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