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Racionais têm história analisada em livro que peca no hermetismo

'Entre o Gatilho e a Tempestade' examina a obra do grupo por vários ângulos como fenômeno estético, político e sociológico

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Gabriel Trigueiro

Doutor em história comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

Racionais MC’s: Entre o Gatilho e a Tempestade

  • Preço R$ 69,90 (320 págs.)
  • Editora Perspectiva
  • Organização Daniela Vieira e Jaqueline Lima Santos

"Racionais MC’s: Entre o Gatilho e a Tempestade", antologia de artigos acadêmicos organizada pela socióloga Daniela Vieira e pela antropóloga Jaqueline Lima Santos, examina a obra do grupo por vários ângulos —como fenômeno estético, político e sociológico. Mas o resultado é irregular.

A iniciativa de construir uma ponte entre a academia e a rua, a partir de uma análise produzida com rigor e método, é louvável. Dá a dignidade intelectual devida aos pioneiros do rap nacional e a uma obra sólida que, sem exageros, pode ser lida como uma grande chave interpretativa não apenas do debate público racial brasileiro, mas igualmente do nosso caráter nacional.

Racionais MC
Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, membros do Racionais MC’s - Divulgação

O livro analisa o fenômeno Racionais a partir de muitos aspectos, mas não se detém nas fontes intelectuais do discurso, da ação política e do pensamento afro-orientado do grupo. A exceção é o artigo de Paulo César Ramos, que aponta a importância do debate da discriminação racial, feito no movimento negro por gente como Carlos Hasenbalg e Lélia Gonzalez.

Ainda no mesmo artigo, Ramos demonstra como a proximidade dos Racionais com o Geledés, o Instituto da Mulher Negra, durante os anos 1990, através do Projeto Rap, tornou acessível a eles o universo de produção acadêmica sobre temas como violência policial, desigualdade racial e sistema de justiça criminal.

É excelente também o artigo de Paula Costa Nunes de Carvalho sobre a abordagem da imprensa paulista aos Racionais, durante os anos 1990, no qual fica claro o desequilíbrio entre a cobertura de artistas de rap e de outros gêneros.

"Sobrevivendo no Inferno", disco mais importante do grupo, tem o que Bruno de Carvalho Rocha classifica de uma linguagem "mítico-poética e religiosa". É isso, e muito mais.

Em "Capítulo 4, Versículo 3", Mano Brown introduz um universo imagético que é muito rico, barroco e épico. Brown é Public Enemy e Jorge Ben Jor. Mas ele também é Cruz e Sousa e Lima Barreto.

"Entre o Gatilho e a Tempestade" acerta na contextualização da produção dos Racionais. Sobretudo quando demonstra as redes de sociabilidade e a criatividade afro-diaspórica que floresce em bailes blacks, rodas de samba e terreiros de candomblé, das quais o grupo é um subproduto.

Aqui e acolá, todavia, os autores recaem em uma análise redundante da obra. Além disso, abusam do jargão e de linguagem hermética, restrita à compreensão dos pares. O que dá a medida do tamanho dos Racionais é a capacidade discursiva, mas o livro a subtrai, não a amplifica.

Uma alternativa à linguagem árida de "Entre o Gatilho e a Tempestade" é o livro "Dilla Time: The Life and Afterlife of J Dilla", de Dan Charnas, lançado em 2022 nos Estados Unidos. É um híbrido de musicologia e história cultural de um dos produtores mais influentes da história do hip hop.

O texto de Charnas, professor da Universidade de Nova York, é escrito com o rigor analítico esperado, mas é claro e acessível. Não à toa, entrou na lista de best-sellers do jornal The New York Times.

"Entre o Gatilho e a Tempestade" é uma iniciativa intelectual e política importante. Os Racionais são o fenômeno cultural mais complexo e interessante do Brasil das últimas décadas. A despeito da intenção, não é um livro de alcance amplo, ao contrário da obra e trajetória do grupo.

Erramos: o texto foi alterado

O nome da autora do artigo sobre a relação dos Racionais MC's com a imprensa, Paula Costa Nunes de Carvalho, foi grafado incorretamente em versão anterior deste texto.

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