Banda Trupe Chá de Boldo homenageia bairro paulista do Bexiga em novo disco

'Rua Rio' uniu o coletivo de 12 instrumentistas e músicos a distância em obra gravada durante o isolamento pandêmico

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Isabela Yu
São Paulo

Com quase 20 anos de banda, a Trupe Chá de Boldo inovou para conseguir tirar o novo álbum do papel. Pela primeira vez, o coletivo paulistano, que atualmente conta com 12 membros entre músicos e instrumentistas –além de duas arquitetas, um economista e um jornalista–, trabalhou as músicas a distância por causa do período de isolamento social.

O embrião de "Rua Rio", lançado no fim de maio, nasce nos encontros da época do último trabalho, o EP "Viva Lina", de 2020.

As canções "Bacurau e Tu" e "Ouça Onça", apresentadas apenas em shows, ganharam registros em estúdio e ajudaram a nortear o quinto disco. "O sabor de certas palavras em tupi na letra dessas músicas já antecipava, via linguagem, o desejo de viver e experimentar outros lugares, uma vontade intensificada durante a pandemia", conta Gustavo Galo, vocalista e compositor.

Os integrantes do coletivo permaneceram nove meses distantes –o máximo que já ficaram sem se ver–, sendo que alguns deles deixaram de viver na capital paulista, então as trocas que levaram a criação das músicas foram digitais.

Os integrantes da Trupe Chá de Boldo
Os integrantes da Trupe Chá de Boldo - Mariama Palhares/Divulgação

Nenhuma faixa ficou de fora, todas as ideias foram lapidadas a muitas mãos até alcançarem a sua forma final, diferente dos outros trabalhos, em que as composições surgiam de forma coletiva durante ensaios. Em 2021, eles conseguiram auxílio da Lei Aldir Blanc para, de fato, dar início a "Rua Rio".

O ano seguinte foi dedicado aos ensaios para as gravações, instrumentos adicionais e finalizações para, enfim, estarem de volta neste ano. Em março, fizeram a primeira apresentação com público, desde que todas as datas foram canceladas. Nesta sexta-feira, o grupo apresenta o repertório do show no Sesc Vila Mariana e, com ajuda do Proac, realizará shows em seis cidades do interior e no litoral de São Paulo nos próximos meses.

O desafio de compor em conjunto, ainda que separados geograficamente, resultou nas dez faixas produzidas e gravadas pela própria banda. Ainda que o processo tenha sido mais lento, ele estreitou os laços do grupo.

"Conversamos longamente até chegar a um consenso. Por um lado, foi enlouquecedor, e a banda poderia ter acabado porque nós dependemos muito dos encontros, mas deixamos tudo crescer, como a Ciça canta em 'Enquanto'. Por outro, esse caminho fortaleceu a nossa amizade, a real grandeza que nos move, então sinto que podemos conviver por mais 20 anos", diz Galo, o vocalista.

O registro conta com uma série de participações especiais, e, dentre elas, o cantor Edimar Tobias da Silva, o Thobias da Vai-Vai, aparece em "Saracura", nome de um dos rios sufocados por concreto. A tradicional escola do Bexiga é uma das vizinhas de bairro do estúdio do saxofonista Remi Chatain, o Guevara, local onde o disco foi gravado, e espaço de ensaio da banda. Há alguns anos, o coletivo trocou a Pompeia pela rua 13 de Maio e, desde então, a história do bairro segue pulsando na música do grupo.

"O bairro, suas ruas e rios, são hoje um componente ativo das nossas composições. Como cantou Geraldo Filme, é uma resistência, um lugar de luta, em movimento, ali o samba vai continuar, basta ver a descoberta do sítio arqueológico do quilombo Saracura, onde pretendem construir uma estação de metrô", comenta Galo.

A relação entre natureza e cidade permeia o tom do trabalho, seja falando especificamente sobre o movimento das águas, como em "Vira Rio", "Mistérios para Ouvir" e "Sem Mascarar", ou refletindo a forma como as pessoas lidam com o mundo externo –"Enquanto" e "A Resposta da Floresta". "Caminhamos pela mesma rua ou entramos no mesmo rio várias vezes, mas, a cada vez, eles nunca são os mesmos e a gente também não. Precisamos cuidar desses caminhos", reflete o artista.

O próprio título do disco carrega essa dualidade ao olhar para o trajeto dos rios que cortam a cidade, mas cujas histórias também ficam apagadas conforme o tempo avança. O resgate de processos e sonoridades faz parte da identidade do grupo, que, contrariando as adversidades do mercado da música independente, se aproxima das duas décadas em atividade. A longevidade da banda se traduz no som, que ainda carrega elementos do rock, muito bem acompanhado dos instrumentos de sopro e percussão.

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