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Tanto Tupiassu sai do Twitter e estica histórias de terror brasileiro

Contos de advogado paraense brincam com a imprevisibilidade da morte em histórias absurdas no Brasil

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Daiana de Souza

Mestre em história, é professora e escritora

Dois Mortos e a Morte e Outras Histórias

  • Preço R$ 54,90 (176 págs.)
  • Autoria Tanto Tupiassu
  • Editora Rocco

Tanto Tupiassu é o alter ego de Fernando Gurjão Sampaio, um advogado paraense que vive em Belém do Pará e se considera um contador de história. Na internet ficou conhecido como um exímio especialista na "literatura de fio".

homem atrás de corpo subaquático
O escritor Tanto Tupiassu, autor de 'Dois Mortos e a Morte', da Rocco - Breno Barros/Divulgação

Para Tupiassu, a necessidade que as pessoas têm de ouvir histórias é cada vez maior. Por isso ele começou a escrever seus fios no Twitter, também chamados de "threads", com causos de fantasmas, visagens e mortos, inspirado pela Déia Freitas, outra grande contadora de histórias nas redes sociais e podcasts.

"Dois Mortos e a Morte", seu segundo livro, traz 16 contos que continuam a amedrontar seus leitores, mas dessa vez sem o limite dos 280 caracteres. Tanto Tupiassu escreve com fluidez os seus causos, na maioria das vezes em primeira pessoa. Os contos são datados e localizados, com exceção de um: "Dois Anjos". A maioria foi escrita em Belém em 2017 e três são do período da pandemia de Covid-19.

Num dos contos, "O Dentista", um homem submetido a anestesia para arrancar os quatro sisos alucina que o seu dentista na realidade é o homem de vermelho desesperado para matar. Em outro, "João Disse", amigos que trabalham numa mesma universidade começam a morrer e se perguntam quem será o próximo.

Para além de criaturas ou fantasmas, os contos refletem sobre a imprevisibilidade da morte —ela virá, mas ninguém sabe quando, e nos anos de pandemia esse sentimento foi devastador e real para muitos.

Apesar de aparecer frequentemente nos contos a ideia da pessoa que já morreu e não sabe, Tupiassu tem textos com alta carga dramática. No conto que dá título ao livro, "Dois Mortos e a Morte", um tipo de vampiro, o Senhor Carniçal, quer devorar Heleno.

Eles estão separados apenas por uma frágil tela contra insetos, mas o vampiro explica que precisa ser convidado para entrar e que sente o cheiro de suicidas. Os dois engatam uma conversa parecida com uma terapia.

Num certo momento, Heleno diz: "A possibilidade de o mundo ser o inferno de outro mundo era bastante evidente para mim, que vivia, aqui, as aflições de todos os infernos conhecidos". O desfecho dessa história é avassalador, assim como em "Plumma", que narra o desespero de uma mãe que perdeu seu filho e tem o vídeo do momento, revivendo a morte dele inúmeras vezes.

No conto "Triste Vingança", é narrado um verdadeiro apartheid na cidade de Barreiras, na Bahia, onde, devido ao crescimento econômico que a soja trouxe, uma grande migração de pessoas brancas do Sul e Centro-Oeste muda uma cidade antes de maioria negra.

Preconceito, segregação racial e desigualdade social são os temas, mas o coração da história é o pedido de perdão e libertação que um personagem negro faz ao leitor, contando um erro do passado pelo qual é punido por uma assombração. Mesmo trazendo as injúrias que o personagem sofreu quando criança, através de suas palavras ele sai da posição de vítima a algoz.

Em "Triste Vingança" as personagens negras não têm nome, só as brancas, e sua subjetividade também é diminuída. Mesmo numa história forte, é complexo para os leitores negros verem sua etnia ser punida até por brancos mortos, sem um contraponto.

"O que une as mortes é o resultado", como diz uma frase dita por um dos personagens do livro de Tanto Tupiassu. Por mais que esse final seja conhecido de todos, muitas vezes a vida é mais assustadora e surpreendente do que a própria morte.

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