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Jerónimo Pizarro propõe ler Fernando Pessoa sem ansiar por autor único

Pesquisador defende publicação de inéditos e inacabados contra estudiosos que buscam critérios restritivos

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Alcir Pécora

Professor titular de teoria literária da Unicamp

Ler Pessoa

  • Preço R$ 55 (176 págs.)
  • Autoria Jerónimo Pizarro
  • Editora Tinta-da-China Brasil

Os oito capítulos de "Ler Pessoa", do colombiano Jerónimo Pizarro, advogam a "pluralidade" como chave da atração da obra pessoana.

A própria ideia de obra, quando referida a Pessoa, teria de ser revista para incluir, além do único livro publicado em vida e dos póstumos editados por especialistas, também os 30 mil documentos do seu famoso baú, multiplicados ainda pelas possibilidades abertas pelos leitores.

Cena do filme 'Como Fernando Pessoa Salvou Portugal'
Cena do filme 'Como Fernando Pessoa Salvou Portugal' - Divulgação

Em suma, Pizarro propõe que o leitor "se liberte da ansiedade da unidade", que acredita ser "ligeiramente autoritária", e abandone o "paradigma do uno a favor do paradigma do múltiplo".

Tal opção o faz ver com bons olhos uma edição eletrônica da obra pessoana, que poderia superar o formato do livro. Também o faz insistir na interpretação dos textos com base na história e no "contexto da publicação". Não é novidade, mas Pizarro ilustra bem a ideia com o poema "Liberdade", mal lido como uma visão bondosa das crianças —"mas o melhor do mundo são crianças"—, quando mais acertado seria incluir a obra entre os seus poemas antissalazaristas.

No núcleo de "Ler Pessoa" está o célebre relato sobre o "dia triunfal" de 8 de março de 1914, quando Pessoa conta que teria composto de um só fôlego, em pé, apoiado numa cômoda alta, cerca de 30 poemas nos quais teriam surgido Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, os seus três heterônimos mais conhecidos.

Com base no material do baú, Pizarro mostra que não foram escritos em menos de um mês, e que a autoria heteronímica apenas ganharia "clareza conceitual" após a confecção da "Tábua Bibliográfica", em 1928. Mesmo depois disso, o arquivo pessoano revelaria muita indefinição de autoria, donde Pizarro concluir que o "heteronimismo" fosse sobretudo um "projeto" e, ainda assim, inacabado.

Sobre Caeiro, Pizarro observa que Pessoa o imaginava como autor de um único livro, ao qual se dedicou a vida toda —à imagem da edição de "Folhas na Relva", de Walt Whitman. Por isso, julga adequado ler Caeiro "sincronicamente", enquanto conjunto de poemas sem data, mas também "diacronicamente", como poemas que deixam rastros temporais de sua concepção.

Álvaro de Campos padeceria de uma indefinição ainda maior. Para editar o heterônimo, Pizarro usou critérios de diferentes graus de certeza da autoria dos poemas, junto à ideia de que seria preciso tanto "afinar os olhos de leitor" como os de "paleógrafo" a fim de obter "conjecturas" de testemunho documental ou de dedução engenhosa com base no conhecimento do arquivo total.

Na edição de Ricardo Reis, o problema agudo seria o inacabamento dos poemas, que alguns críticos resolveram de maneira rigorista e os restringiram a 28. Já para Pizarro, o corpus teria mais de 200 poemas, posto que o "caráter aberto" da obra implicaria em operar com "variantes" e, mais uma vez, levar em conta o conjunto, não só os poemas isolados.

No caso do "Livro do Desassossego", Pizarro propõe que entre o primeiro e o segundo livros há uma transformação do "paisagismo anímico" de tons decadentistas, típicos de Vicente Guedes, para imagens concretas de Lisboa, surgindo assim o perfil de Bernardo Soares, sob a influência do realismo de Cesário Verde.

Em suma, "Ler Pessoa" deixa claro as posições maximalistas de Pizarro, favoráveis à publicação de inéditos e inacabados, contra a de estudiosos que buscam critérios mais restritivos para o que deveria ou não ser editado.

Mais do que isso, Pizarro tende a depositar menor peso na crítica estética da obra de Pessoa do que na sua abertura em termos de curadoria editorial, o que parece "trendy" em várias áreas artísticas.

Para quem busca interpretações mais radicais de Pessoa, sugiro os livros de Haquira Osakabe, como "Resposta à Decadência" e "Entre Almas e Estrelas", que vão fundo na piração esotérica; ou, na linha contrária, de recusa da mitologia pessoana, a tese de Mariella Masagão, que desmonta a heteronímia como construção retórica, deixando em plano secundário as ideias correntes de drama, fragmentação e multiplicidade.

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