Quem é Jessé Aguiar, cantor gay que deixou o gospel e divide feito com Tom Jobim

Artista, que tem louvor entre as dez canções brasileiras mais gravadas de todos os tempos, agora se lança na música pop

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Jessé Aguiar, ex-cantor gospel que se lança no mercado pop secular Divulgação

São Paulo

Jessé Aguiar compôs "Está Tudo Bem" quando nada estava bem.

A música o colocou na lista das dez canções brasileiras mais gravadas de todos os tempos, uma façanha e tanto para um jovem de 21 anos pouco conhecido fora do meio gospel.

Ocupando a décima posição, com 220 adaptações de seu louvor cristão, ele é o único artista vivo num ranking povoado por medalhões, que vão de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, na cabeceira com "Garota de Ipanema", a Cartola e Pixinguinha.

Jessé Aguiar, ex-cantor gospel que se lança no mercado pop secular - Divulgação

Mas Jessé não estava num bom momento quando escreveu a letra em que simula uma conversa com Deus —"Pai, tu sabe das feridas que eu carrego/ de alguns confrontos que só tu assistiu/ eu sei que com Cristo vai ficar tudo bem".

Acontece que Jessé é evangélico e gay, um binômio que lhe parecia impossível depois de uma vida toda escutando na igreja que gostar de meninos era pecado aos olhos de Deus.

Jessé estava em depressão quando criou "Está Tudo Bem". Tentou se matar com uma overdose de remédios, em 2020. Três anos depois, fez as pazes com Cristo e começou uma revolução em sua vida que incluiu se assumir LGBTQIA+ e ainda assim um servo do Senhor.

Primeiro foi o divórcio com a indústria gospel, seguindo os passos de outras duas artistas de quilate no meio —Priscilla Alcantara, vencedora do reality show "The Masked Singer Brasil, da Globo, e Jotta A, que se descobriu trans após anos se sentindo sufocada na pele masculina.

Como as duas colegas, Jessé trocou uma bem-sucedida carreira na música cristã pelo mercado secular, adjetivo que evangélicos usam para se referir àqueles alheios à sua fé.

Ele nutria números superlativos com sua pose de bom cristão. O clipe de "Alívio" sozinho, seu maior sucesso, foi visto 213 milhões de vezes no YouTube. As sertanejas Maiara e Maraisa entoaram no velório da amiga Marília Mendonça a canção, sobre extrair de Jesus o "combustível para continuar".

Jessé quer continuar, mas de outro patamar. Ele lança nesta quarta-feira (12) um single secular, "Não Sou de Me Entregar". Distribuído pela ADA Music, divisão de música independente do Warner Music Group, o pop sentimental começa com sons que emulam batidas de coração e tratam de uma paixão por alguém que o tem nas mãos.

Ele anunciou em fevereiro sua saída do gospel, terminando o contrato com a gravadora Todah Music —que representa de Davi Sacer, artista forte do gênero, à mirim Ana Julia Canela de Fogo. A decisão chegou ao público por meio de um vídeo compartilhado nas redes sociais. Nele, Jessé dizia que sua "fé ímpar" e "não vinculada ao sistema" permanecia intacta.

Dois meses antes, o cantor horrorizou conservadores ao aparecer cantando hits sensuais de Anitta e Luísa Sonza. A escolha musical nem foi o pior para a audiência recatada. Isso porque ele estava num carro com outro rapaz. Com tintas sensacionalistas, O Fuxico Gospel, site de fofocas do segmento, manchetou: "Vídeo de Jessé com namorado é o que faltava para ele sair do armário".

Em junho, o artista decidiu que era hora de assumir a narrativa da própria vida. "Tenho 21 anos e sou gay", disse. "Isso para alguns vai ser um choque. Outros vão até brincar: choca um total de zero pessoas."

Ele contou então que a identidade sexual já lhe era clara desde os 12 anos, e que dois anos depois achou melhor informá-la a mãe. Não dava para sufocar, mas, fora um círculo super-restrito que incluía uma namorada "que teve muita paciência", abafou sua homossexualidade por quase uma década.

Jessé descreveu como, a partir dali, começou a viver um inferno particular, coalhado de ansiedade e picos depressivos. Tentou a todo custo reprimir quem era, como se uma "cura gay" fosse possível. Fazia campanha de oração e um tal de "subir monte, descer monte" —percurso de fé que, acreditava, o ajudaria a se livrar do que via como chaga.

Suas preces nunca foram atendidas, e só anos depois entendeu ele o porquê. Não havia nada de errado com ele. Ser gay também é de Deus, e misericórdia daqueles que não enxergam isso. "Não quero que minha sexualidade me torne um vilão para as pessoas", disse.

Jessé até ironizou o pastor André Valadão por sua cruzada anti-LGBTQIA+. Quem era ele para falar que ser gay feria os princípios de Deus? "Eu jurava que o senhor era também… Apita muito!", comentou num post do líder da Igreja Batista Lagoinha em Orlando, nos Estados Unidos.

Jessé ainda frequenta o Ministério Balneário da Assembleia de Deus em Goiás, seu estado natal. Filho de uma costureira e de um químico que se separaram quando ele era adolescente, começou a cantar no púlpito aos quatro anos. Substituiu a mãe, que naquele dia não conseguiu se apresentar, mas que ensaiava letra e melodia em casa. O filho decorou.

Para Jessé, a igreja sempre será sua origem. E que Deus o livre de quem achar que seu lugar não é ali.

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