Descrição de chapéu

Filme de Adnet sobre evangélicos tem desafio de rir com eles, não deles

'Nas Ondas da Fé' tenta surfar na audiência crente; estreia é nesta quinta-feira (12) com humorista no papel de um pastor

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São Paulo

Nas Ondas da Fé

  • Quando Estreia nesta quinta (12) nos cinemas
  • Elenco Marcelo Adnet, Letícia Lima,
  • Produção Brasil, 2023
  • Direção Felipe Joffily

Vamos ser sinceros, o cinema brasileiro não dava muita bola para o cada vez mais parrudo filão evangélico.

Tramas religiosas eram boas em superlotar salas, como a espírita "Nosso Lar", com 4 milhões de espectadores em 2010, e a católica "Maria", com 2,3 milhões, há 20 anos. E as superproduções voltadas a crentes? Ninguém sabe, ninguém viu.

O jogo começou a mudar quando a Igreja Universal do Reino de Deus usou sua máquina para lançar títulos como "Os Dez Mandamentos", de 2016, e as cinebiografias do bispo Edir Macedo, "Nada a Perder", que teve volumes um e dois.

Cena do filme 'Nas Ondas da Fé', nova comédia de Marcelo Adnet - Peter Wrede/Divulgação

Mas esses filmes eram chapa-branca como um comercial de alvejante. Desse mal o "Nas Ondas da Fé", filme que Marcelo Adnet idealizou em 2014 e que entra em cartaz nesta quinta-feira, não sofre.

O Hickson interpretado por Adnet é o brasileiro típico. O técnico em informática faz seus bicos, se vira como pode e tem sonhos de ascender. Também é um sujeito de fé. Um cara bacana mesmo, que ajuda velhinhas a consertar panes no computador sem cobrar por isso.

Parte de Jéssika, vivida por Letícia Lima, a ideia de apresentar o rapaz a um apóstolo do templo evangélico que o casal frequenta, para ver se ele descola um emprego na rádio da igreja para o marido. O destino dá uma cambalhota e Hickson, que sonha em ser locutor, entra sem querer no ar, fingindo ser um pastor. Um pastor, aliás, com vários trejeitos da trupe inspirada por Edir Macedo.

Ele se sai melhor que a encomenda e, na mesma noite, ouvintes vêm aos montes querendo dar ofertas à igreja, animados com a pregação do tal do pastor Hickson —título que ele acaba ganhando de fato, depois do mandachuva da igreja detectar seu potencial de trazer dinheiro para a casa.

"Nas Ondas da Fé" não deixa de surfar nas ondas da audiência. Evangélicos em poucos anos poderão ser a maior fatia religiosa do país, e o audiovisual fez muito pouco, até aqui, para tratar esse público com o respeito que ele merece. Agora vai? A Globo, que na última década fez alguns acenos ao grupo, estreia neste mês "Vai na Fé", sua primeira novela com protagonista crente.

Claro que o filme esbarra em estereótipos que povoam o imaginário progressista, como o de pastores mais interessados no milagre da multiplicação em suas contas bancárias do que na salvação dos fiéis.

Estão lá o líder que faz chuva com maços de dinheiro do dízimo e a mercantilização das relações na igreja, como a ideia de criar uma espécie de clube de milhagens, para que irmãos possam pagar mais para ter acesso a privilégios como se sentar na primeira fila do templo, tal qual um "cliente diamante".

Mas tudo bem, porque também seria um erro factual retratar essa complexa rede de fé como um antro de altruísmo. Óbvio que muita gente nas igrejas pensa até demais em bufunfa, e que os sete pecados capitais também têm vez ali, como em qualquer outro microcosmo da sociedade —da fiel voluptuosa ao apóstolo invejoso.

Cena do filme 'Nas Ondas da Fé', nova comédia de Marcelo Adnet - Peter Wrede/Divulgação

Crente que é crente sabe disso, só não gosta de ver espertalhões de fora da religião destilando uma visão bitolada sobre sua turma.

O problema seria reduzir evangélicos a um bando sem escrúpulos a explorar coitadinhos sem qualquer autonomia. A obra escapa com alguma dignidade dessa armadilha. Cheio de fé e malícia, o casal protagonista faz parte de uma classe média suburbana que dá seus corres para conquistar na vida o que vem de bandeja para uma elite intelectual que esnoba sua crença evangélica.

Uma cena expressa bem esse senso de deslocamento —Hickson e Jéssika num restaurante pomposo pela primeira vez, sem saber como reagir diante de um milk shake de atum vendido como a oitava maravilha da gastronomia moderna.

Com notas dramáticas e dirigido por um diretor de comédias (Felipe Joffily, de "Muita Calma Nessa Hora" e "E Aí… Comeu?"), o título tem o mérito de mergulhar num universo ainda pouco conhecido fora da bolha evangélica.

Vai ser acusado de não ter lugar de fala? Vai. O portal Pleno News, por exemplo, já cravou só ao ver o trailer que o "novo filme de Adnet zomba da fé dos evangélicos".

Olhando o material como um todo, meu palpite é que dá para sair do cinema com a sensação de rir com os evangélicos, e não apenas rir deles, como por tanto tempo aconteceu. Vai na fé.

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