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Israelense Amos Gitai filma drama de povo que sonha com integração

Longa-metragem furioso narra encontro com palestinos em cinema que busca de compreender a si mesmo e ao outro

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Uma Noite em Haifa

  • Onde Em cartaz nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Autoria Maria Zreik, Khawla Ibraheem, Bahira Ablassi
  • Produção Israel, 2020
  • Direção Amos Gitaï

No plano de abertura já sabemos que "Uma Noite em Haifa" é um filme de Amos Gitai. Fixa, a câmera acompanha a passagem de um trem, visto do alto. Pode-se perguntar de onde partiu e para onde vai. É a questão que, desde sempre, o cineasta israelense coloca a respeito de quase tudo que diga respeito a Israel e à Palestina. A respeito de quase tudo pode-se colocar questões semelhantes: como tudo começou? Para onde vai o perpétuo desencontro entre israelenses e palestinos?

Logo depois, a câmera move-se suavemente: sem executar nenhum corte ou movimento brusco, mostra um terreno ao lado da estrada de ferro, onde pouco depois um homem espancado por dois outros.

cena de filme
Khawla Ibraheem em cena do filme 'Uma Noite em Haifa', dirigido pelo cineasta israelense Amos Gitai - Divulgação

O plano longo lembra mesmo o estilo que marcou Gitai nos anos 1990 e no começo deste século. Seu cinema era, desde então, vinculado diretamente a Israel, a suas diferenças com os palestinos, às guerras e ocupações. O cinema era, para Gitai, a arte de compreender, ao mesmo tempo, a si mesmo e ao outro. Inútil dizer que era pacifista. Não acreditava que a paz era necessária e, sim, que era um destino desses dois povos.

As seguidas vitórias dos conservadores e a atitude cada vez mais agressiva dos governos do primeiro-ministro Netanyahu parecem ter promovido uma espécie de desânimo em seus filmes, como se seu projeto cinematográfico estivesse derrotado.

Nesse sentido, "Uma Noite em Haifa" parece senão iniciar, pelo menos mostrar o amadurecimento de uma mudança que se esboça há pelo menos uma década. Porque ali estamos numa rara cidade em que judeus e árabes, palestinos e israelenses, podem se encontrar, se olhar, conversar e namorar.

No caso, estamos na noite em que se inaugura, na galeria de arte de Laila, uma exposição do fotógrafo Gil (o cara que é espancado logo no começo). Ela é amante de Gil e sua ideia é promovê-lo de modo a que ele se imponha nos Estados Unidos e que isso lhe traga benefícios pessoais.

Digamos que este é o núcleo central, ou mais central, de uma trama que abarca diversos personagens que frequentam menos a galeria propriamente dita do que o bar ao lado. Ali acontecem alguns encontros, talvez rápidos, talvez duradouros. A irmã de Gil, que foge do marido indiferente, encontra o prazer no namoro com um rapaz árabe. Um outro rapaz, israelense, demonstra paixão por outro rapaz, árabe. Paixão e medo, porque essa ligação não será bem vista pelos seus.

Há outros, como o rico Kamal, marido de Laila, que por sinal tem um caso amoroso com Gil. Desfila um tanto desanimado, talvez por pressentir o caso amoroso entre sua mulher e Gil. Ele topará em dado momento com uma militante da Resistência Palestina que, só para começo de conversa, o chama de sr. Sanguessuga.

O estilo de condução da câmera em Gitai, como disse acima, continua o mesmo: longos planos seguem os personagens, aproximam os espaços, evitam sua fragmentação, dilatam o tempo. Algo, porém, mudou. As conversas e gestos dos personagens tornaram-se opacas. Entramos nas conversas como se estivéssemos no meio: de onde vieram, para onde vão. Os personagens deixam-se identificar aos poucos, como se resistissem, como se devêssemos sempre buscar saber quem são. Com quem estamos lidando, afinal.

Os personagens relutam em se mostrar, não raro até em dizer seus nomes. Seus problemas são estritamente individuais, com exceção da moça da Resistência. Um homem rico e desiludido. Uma jovem com ambições no comércio de arte que a levam para fora do país. Um rapaz judeu apaixonado por um árabe. Um artista perdido entre a galerista-amante de Haifa e a galerista talvez vigarista de Los Angeles.

Alguém, em todo caso, acusa a mulher de Los Angeles de só pensar em si mesma. Mas nos perguntamos em quem pensam os outros personagens senão em si mesmos?

É essa a vantagem desses tempos longos, que permitem ao espectador pensar nos intervalos dos acontecimentos. E em que mais se pode pensar a não ser em si mesmos? A Israel armada até os dentes não dá perspectiva alguma a quem pense em paz, em encontro entre árabes e judeus. Nada disso.

E, aliás, a que vem aquele trem logo no início do filme?

Por certo não está lá de graça. Ele remete a viagem, ao exterior, ao exílio talvez. Sair de lá, quem sabe.

Amos Gitai já teve seus filmes esperançosos, já ousou fazer denúncias, com "Uma Casa em Jerusalém", já teve momentos de angústia, em "Kedma", ou desespero em "A Terra Prometida". Desta vez filma o desalento de uma população que ainda sonha com integração. Estranhamente, o filme em si não tem nada de desconcertado. Está mais para furioso.

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