Descrição de chapéu Folhajus Gal Costa

Obra de Gal Costa pode sair de circulação por imbróglio judicial e brigas de sua viúva

OUTRO LADO: Acusada por produtores de boicotar a artista, Wilma Petrillo não respondeu aos questionamentos da Folha

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São Paulo

A obra de Gal Costa, morta em novembro, vítima de um infarto, corre o risco de ser paralisada e não circular em novos filmes, mostras, peças e novelas.

Um imbróglio judicial que se forma em torno da herança da artista torna incerta a liberação de suas gravações e de sua imagem para novas produções. Além disso, a viúva de Gal, Wilma Petrillo, tem sabotado a cessão dos direitos da artista, de acordo com produtores culturais e seus ex-funcionários.

Desde o início de julho, a Folha tenta entrar em contato com Petrillo por telefone e mensagem de texto, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

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A cantora Gal Costa, que lançava versão ao vivo de seu disco em show na capital paulista - Lucas Seixas/Folhapress

Entre os bens deixados por Gal, está o catálogo de suas gravações. Somente o julgamento do inventário decidirá a partilha dos bens e o administrador da obra. Segundo a revista Piauí, em janeiro Petrillo entrou com um processo, que corre em segredo, pedindo o reconhecimento de uma união estável, fruto do relacionamento que manteve com a artista por 24 anos.

Nele, também solicitou a posição de inventariante do espólio e pediu a guarda de Gabriel Costa Penna Burgos, filho adotado por Gal em 2007, agora com 18 anos. Se a Justiça confirmar a união estável, Petrillo terá 50% da herança e vai administrar a obra em acordo com Gabriel, que a Folha não conseguiu localizar.

De acordo com ex-funcionários de Petrillo, as solicitações para cessão dos direitos de Gal, normalmente enviadas por e-mail, eram quase sempre ignoradas pela empresária, o que dificultava o uso da obra em produções culturais.

Foi o que ocorreu com a exposição "Utopia Brasileira: Darcy Ribeiro 100 anos", recém-encerrada no Sesc 24 de Maio. A organizadora da mostra, Isa Grinspum Ferraz, tentou incluir uma foto de Gal, dos anos 1970, na obra "Constelação", uma colagem com imagens de nomes centrais da cultura brasileira.

"Tentamos de tudo, mas os nossos contatos nunca foram respondidos, então não pude incluir essa foto", diz ela. O primeiro email foi disparado em 3 de novembro de 2022, uma semana antes da morte da cantora.

As cineastas Dandara Ferreira e Lô Politi lançam o filme "Meu Nome É Gal", sobre a vida da artista, em outubro. De acordo com Ferreira, Petrillo não interferiu nas negociações, porque a obra partiu de um desejo de Gal. "Eu tive sorte. Falava diretamente com Gal", afirma a cineasta.

Segundo o portal g1, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo alegou falta de documentação para confirmar a união estável. A Justiça solicitou, então, que o filho fizesse uma declaração reconhecendo ou não o relacionamento.

A Defensoria confirmou à Folha ter entrado no caso por uma possível incompatibilidade de interesses entre o filho e a viúva. A entidade, no entanto, não detalhou o andamento da ação, respeitando o sigilo judicial.

Para o advogado Felipe Russomanno, especialista em planejamento patrimonial e sucessório, o processo deve se estender no tempo e pode ter diferentes desfechos. "Quando o inventariante for nomeado, ele passa a ceder ou não os direitos até a conclusão do julgamento", afirma. O advogado chama a atenção para um episódio na edição do Fantástico, da TV Globo, que foi ao ar logo depois da morte de Gal.

Durante a entrevista, o telespectador é informado pela repórter que Gabriel trata Petrillo como sua madrinha. "Muito provavelmente Petrillo terá o reconhecimento da união estável, mas é estranho o filho de Gal tratar Wilma como madrinha. Ele não fala madrasta, nem mesmo mãe", diz Russomanno.

A sucessão do patrimônio artístico de Gal também tem uma questão econômica. Os rendimentos oriundos das gravações, diz a lei, ficam represados numa conta do espólio. Até o julgamento do inventário, que decidirá a partilha dos bens, ninguém pode efetuar movimentações financeiras sem a autorização da Justiça, de acordo com Guta Braga, especialista em direitos autorais na música.

Desde o disco "Mina d’Água do Meu Canto", de 1995, Petrillo administra a carreira de Gal, comandando três empresas —a Wilclick Produções Artísticas, a Baraka Produções Artísticas e a GMC Produções Artísticas.

Juridicamente, Gal tem direitos de intérprete. Se um produtor quiser utilizar uma gravação dela em uma novela, por exemplo, terá de pedir às gravadoras, que condicionam o consentimento dos herdeiros.

A administração do patrimônio de um artista é determinante para manter a circulação de sua obra na sociedade.

De 2008 a 2011, a poeta Cecilia Meireles, uma das maiores representantes do modernismo brasileiro, não teve um livro sequer à venda, porque um embate entre os herdeiros impediu a reedição. Só era possível comprar edições de segunda mão em sebos ou o que restou de lotes anteriores à briga.

Wilma sabotava Gal?

Nesse ínterim, surgiram novas acusações contra Petrillo, envolvendo o acúmulo de dívidas e a sabotagem da carreira de Gal. Durante 25 anos, a produtora cultural Katia Cesana teve uma agência de música, a Solano Agência. Em 2014, ela produziu o show "Waly Salomão: Poesia Total", no Sesc Vila Mariana, uma homenagem à obra do poeta baiano.

No show, Jards Macalé, Gustavo Galo, Helio Flanders, Botika e a própria Gal interpretariam canções com letras de Waly. A produtora não tem boas lembranças do contato que manteve com Petrillo. "Essa mulher fez da minha vida um inferno", afirma. "Foi o pior momento da minha carreira. Wilma era uma estúpida, uma grossa."

Segundo o contrato firmado entre a produtora e a empresária, Gal interpretaria três canções, em dois dias de shows, por R$ 50 mil —além de R$ 4.800 para maquiagem, contratação de uma produtora pessoal e fornecimento de um teleprompter.

Cesana diz que o pagamento seria feito 30 dias após as apresentações. A dois dias para o show, contudo, Petrillo exigiu o pagamento integral do cachê. "Tinha um desmerecimento com a Gal. Ela ficou até um pouco irritada, e não sabíamos se ela ia aparecer ou não nos ensaios. Foi um caos."

A produtora acionou, então, a direção do Sesc, e Petrillo recuou. Gal fez os dois shows, nas condições estipuladas pelo contrato. "Outras unidades do Sesc quiseram receber o espetáculo, mas neguei. Nunca mais quis fazer nada, mesmo sendo a Gal."

Um músico que acompanhou Gal nos últimos dez anos afirmou em condição de anonimato ter se afastado da banda por sucessivos cancelamentos de shows sem que nenhuma explicação fosse dada. Com isso, ele ficava sem os cachês acordados e tampouco era ressarcido posteriormente.

Petrillo adotava comportamento similar em sua vida privada. Em 1975, a editora aposentada Vera Galli foi a Nova York, nos Estados Unidos, fazer um estágio em edição de livros. Chegando lá, virou amiga de Petrillo e passou a frequentar o seu apartamento, um ponto de encontro de brasileiros à época.

Em 2015, depois de anos trabalhando na editora Abril e no governo do Estado de São Paulo, Galli virou amiga de Petrillo no Facebook. A dupla retomou a convivência, e Galli foi convidada para um show de Gal. Pouco depois, sabendo que Galli havia recebido seu fundo de aposentadoria, Petrillo pediu R$ 15 mil emprestados para fazer uma cirurgia.

Após um tempo, Galli pediu o dinheiro de volta. Petrillo teria dito então que conversaria com Gal e pagaria R$ 5.000 em três meses, mas o pagamento nunca era efetuado. Galli cobrou a dívida. "Ela me atendeu, disse ‘você só pensa em dinheiro’ e bateu o telefone", afirma. Desde então, Petrillo bloqueou Galli nas redes sociais e as duas nunca mais se falaram. "Acho que os R$ 15 mil saíram de graça", diz ela.

A cineasta Laís Bodanzky, que dirigiu uma desastrada live comemorativa dos 75 anos de Gal, percebeu que havia um clima estranho entre o casal. "Era um desconforto. Parecia que Gal estava no meio de um furacão", diz ela.

A diretora conta que Petrillo foi intransigente na escolha do figurino. Desde o primeiro momento, a empresária disse que só ela poderia escolher a roupa da cantora. "Não gostei do figurino. Era um vestido que mostrava uma grife de maneira muito ostensiva. Não combinava com a nossa proposta", diz.

A marca era a Gucci, que Gal gostava de vestir. A live, gravada na Casa de Francisca e transmitida pelo canal TNT, teve uma série de problemas técnicos, e Gal chegou a ficar perdida entre os cômodos da casa, tendo de ser guiada pela própria diretora.

Já os fãs pedem para que a cantora seja respeitada após sua morte. O produtor de moda Frankley Tavares, que acompanhava a carreira de Gal desde a década de 1980 e foi o único fã autorizado a acompanhar o enterro da artista, é um deles.

Ele diz que nunca se importou com a vida privada de Gal. "Deixem Gal descansar em paz. Será que ela estaria gostando disso tudo? Já paramos para pensar como anda a cabeça de Gabriel, seu filho? Irei sempre preservar o nome dela."

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