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Tênis raros ganham museu em São Paulo enquanto se tornam objetos de desejo

Mercado dos 'sneakers' tem explosão de lojas, e escassez transforma pares em produtos de especulação

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Parte da coleção de Rodrigo Clemente, fundador do museu do tênis Gabriel Cabral - 28.jun.23/Folhapress

São Paulo

Ao acordar, Rodrigo Clemente precisa escolher um tênis para calçar entre 7.712 pares. É o dilema diário do empresário dono da maior coleção de calçados do país. São tantas variedades de Nike, Adidas, Converse, Vans e outras marcas desejadas que ele montou uma espécie de museu do tênis numa sala comercial de 260 metros quadrados pensada para a conservação de modelos raros ou mais comuns.

Tênis da Nike com a Louis Vuitton, parte do acervo do museu do tênis
Tênis da Nike com a Louis Vuitton, parte do acervo do museu do tênis - Gabriel Cabral/Folhapress

Quem visita o espaço climatizado no bairro de Santa Cecília, em São Paulo, vê 5.800 pares, a maior parte de seu acervo, organizados em prateleiras do chão ao teto, em meio a bonecos colecionáveis. O museu abriu para o público no início deste mês, e pode ser visitado com agendamento prévio por mensagem pelo Instagram @OMundoSneaker.

Lá, o visitante aprende sobre a história dos tênis colecionáveis, que se tornaram na última década objetos de desejo enquanto viravam produto de especulação, com valores que aumentam de acordo com a demanda e a raridade, assim como uma obra de arte, e podem ultrapassar as dezenas de milhares de reais.

Fazem parte da coleção do museu um Nike Air Force 1 dourado feito com a Louis Vuitton, leiloado pela Sotheby’s por US$ 15.500, cerca de R$ 74 mil; um par raro de Adidas Hemp dos anos 1990, um dos primeiros tênis feitos com fibra de cânhamo; e dezenas de variações de Air Jordan, dentre os quais um modelo vintage dos anos 1980, que Clemente diz "não ter preço".

"As pessoas começaram a se expressar pelo tênis. Antes o tênis compunha o look. Hoje é ele que dita o look que você vai usar", afirma Clemente, de 46 anos. O empresário coleciona há uma década e se diz apaixonado por tênis desde que jogava basquete quando era adolescente, embora não tenha guardado os pares que calçou nas quadras naqueles anos.

A onipresença dos tênis na moda —e nos pés da maioria das pessoas— ficou mais visível há alguns anos, com a viralização de imagens nas redes sociais e o endosso de estrelas da música, por exemplo. Em 2014, o cantor do grupo britânico Stone Roses, Ian Brown, viajou até Buenos Aires com o propósito de visitar uma loja empoeirada de um senhor de mais de 70 anos recheada de pares raríssimos da Adidas.

Para o dono do museu do tênis, contudo, a explosão dos "sneakers" veio mesmo depois da pandemia, quando as pessoas resolveram levar para fora de casa a maneira mais despojada de se vestir. "Aumentou a galera maluca por tênis."

Isto fica claro para quem está passeando por São Paulo. O número de lojas de tênis cresceu, nos shoppings e nas ruas da cidade. Na Galeria do Rock, no centro, templo antes dedicado somente às turmas do rock e do metal, o primeiro andar é agora tomado por lojas de tênis colecionáveis que antes não estavam ali, e outras do tipo foram abertas no segundo piso.

A Galeria Ouro Fino, na rua Augusta, passou a abrigar diversos comércios de sneaker de 2018 para cá, além de uma lavanderia especializada nestes calçados. Ali perto, a região da Oscar Freire tem algumas revendedoras. No Bom Retiro, a rua Três Rios é destaque, com uma unidade da loja Gdlp —uma das primeiras do ramo na cidade—, e a revendedora Pineapple.

Surgiram ainda dois festivais centrados na cultura sneaker em São Paulo, a feira Sold Out, voltada para revenda de tênis desejáveis, e o novo SneakerX, que explora a relação do calçado com a cultura pop, o basquete e o skate. Afora isso, o Sneaker Con, o maior evento de tênis do mundo, terá sua primeira edição brasileira em novembro, também na capital paulista.

No cenário macro, o mercado global de sneakers girou US$ 152,4 bilhões em 2022, ou cerca de R$ 742 bi, um aumento de 2,7% em vendas em relação ao ano anterior, de acordo com dados da firma de pesquisas britânica Euromonitor. O levantamento afirma ainda que o pico do setor já passou, mas projeta um crescimento estável de 3,6% ao ano até 2027.

"O tênis é carregado de muitos anexos —a música, o seu estilo, o que você está escutando", afirma o comunicador André Vasco, um dos organizadores do festival SneakerX.

Assim como acontece com as roupas que se veste, Velasco lembra que os tênis são marcadores sociais, isto é, informam a qual turma você pertence. Ele cita como exemplo a popularidade dos modelos da Mizzuno na periferia paulistana e o fato do termo "sneakerhead", algo como apaixonado por tênis, ser associado a quem coleciona Air Jordan.

O modelo desenvolvido pela Nike para conquistar o passe do jogador de basquete Michael Jordan nos anos 1980 é considerado o marco inicial da fissura contemporânea por tênis. Sua variação clássica, de cano alto, nas cores branca, vermelha e preta, virou tema do filme "Air: a História por Trás do Logo". Um par essencial em qualquer coleção, o tênis tem ganhado reedições praticamente iguais à original.

Outro marco da cultura sneaker foi o lançamento, entre 2017 e 2018, de dez silhuetas clássicas da Nike retrabalhadas por Virgil Abloh, o fundador da Off-White. O estilista adicionou aos tênis os códigos de sua marca de roupas, como lacres de segurança nos cadarços e palavras entre aspas estampadas nas laterais. Como não houve reedição, a raridade só fez os preços aumentarem, o que deve se manter, já que Abloh morreu no final do ano retrasado.

A escassez gera um mercado de revenda pujante. Como as marcas lançam os modelos de maior status numa tiragem menor do que a demanda, é comum que só se possa comprar um tênis por sorteio online ou com terceiros. Sim, tem como adquirir com facilidade aquele par que todos querem, em lojas especializadas ou aplicativos de revenda, como o brasileiro Droper e o americano StockX, mas por um preço várias vezes maior que o de varejo.

Gabriel Hasse, um dos sócios da Cop Club, uma revendedora com loja de rua nos Jardins e pontos de venda nos shoppings Iguatemi e JK, afirma que o mercado dos tênis se tornou tão grande justamente por conta do mercado secundário, que ajuda a fomentar a demanda. De acordo com Hasse, este modelo de comércio é importado.

"Os Estados Unidos são um país muito consumista. As marcas conseguiram construir na cabeça das pessoas a cultura do consumo, que estamos trazendo diretamente de lá", ele diz. Como no Brasil nunca foi normal pagar mais de R$ 1.000 num tênis, é preciso explicar para alguns consumidores a história por trás de cada calçado para justificar o valor, acrescenta Hasse.

Se, por um lado, o alto custo pode afastar consumidores em potencial, por outro não é preciso ter muitos pares para ser um apaixonado pelo mais democrático dos calçados, afirma Clemente, do museu do tênis. "O tênis é para todos. O nome ‘sneakerhead’ foi colocado no mercado. Não me julgo um ‘sneakerhead’. Sou um amante do tênis."

Museu do tênis

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