Bilionários que impactaram clima agora querem fugir para bunker, diz pesquisador

Douglas Rushkoff afirma no Fronteiras do Pensamento que empresários da tecnologia tentam se isolar da humanidade

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São Paulo

Bilionários se reúnem para debater a construção de bunkers com o objetivo de se isolar do resto da humanidade no momento do desastre climático que, pela ação deles mesmos, ficou iminente.

É com esse episódio que o americano Douglas Rushkoff, renomado teórico de mídia, iniciou sua palestra no Fronteiras do Pensamento nesta segunda-feira, em São Paulo.

Douglas Rushkoff, teórico de mídia
O pesquisador Douglas Rushkoff - Audrey C. Tiernan/Divulgação

Rushkoff teria sido pago para fazer uma palestra ali e só quando chegou ao local percebeu que havia sido chamado por bilionários e presidentes de empresas importantes no ramo da tecnologia. Eles perguntavam ao intelectual qual seria o local mais adequado para construir um bunker e se proteger do desastre climático.

"Um dos bunkers seria na Nova Zelândia, com piscina", ironizou Rushkoff. "Essas eram as pessoas mais poderosas do mundo, mas não pensavam em como controlar o futuro. Eles só aceitaram a catástrofe iminente. Decidiram se isolar da realidade que eles mesmos criaram para ganhar dinheiro."

Assim como em seus dois últimos livros, "Survival of the Richest: Escape Fantasies of the Tech Billionaires", de 2022, e "Equipe Humana", de 2019, que saiu aqui pela editora Bookman, Rushkoff argumentou que as novas tecnologias foram criadas só para servir às exigências do mercado, em detrimento da sobrevivência da natureza e dos seres humanos.

"Os bilionários querem ficar longe de nós. É estranho porque, quando internet foi criada, era justamente para aproximar as pessoas. Mas foi deturpada para acumular dinheiro", argumentou.

"A atenção humana é limitada, e as empresas usam a métrica ‘eyeball hours’ [‘horas do olho’], que determina por quanto tempo é possível uma pessoa ficar vendo uma página", explicou. Os algoritmos, portanto, são usados para "controlar o comportamento humano", levando-nos a comprar mais.

Segundo Rushkoff, o problema se deve em parte à própria natureza do sistema capitalista, que pretende explorar ao máximo o trabalho e a natureza em prol do lucro de poucos. Mas o problema também está, segundo ele, nas próprias características das tecnologias digitais.

"Tudo que é digital é um código, uma simulação da realidade", disse. As finanças e o mercado de ações, segundo ele, têm o mesmo princípio: simulam uma economia real, sem de fato gerar valor.

"A junção entre as finanças e o digital é perfeita para as pessoas que querem ficar acima dos outros e se livrar do resto da humanidade. Os bilionários querem se isolar e viver em um videogame", disse, referindo-se a Mark Zuckerberg e Elon Musk como nerds que fizeram grande sucesso com seus códigos sem se debruçar sobre sociologia e economia, temas diretamente impactados por suas criações.

Para Rushkoff, esses bilionários perpetuam a lógica do filósofo Francis Bacon, de que a natureza deve ser domada. "Valores humanos vazios completam os valores do capitalismo, que só pretende transformar pessoas em mão de obra", disse Rushkoff.

"Estamos assistindo à quantificação de toda a nossa realidade através do digital, em prol do mercado", disse. A inteligência artificial, nesse cenário, será usada para substituir humanos. "Estamos transformando matéria em bits. [Os bilionários] enxergam os humanos como o problema, e a tecnologia como a solução."

"Precisamos pensar socialmente e trabalhar juntos para sobreviver, assim como as outras espécies. A natureza não é um mercado e humanos não são compatíveis com esse crescimento. Querer fugir para o metaverso apenas nos corta da vida como ela é", concluiu.

O ciclo Fronteiras do Pensamento já teve conferências com Nadia Murad, Rosa Montero e Michael Sandel e ainda terá um encontro com David Wengrow em outubro.

FRONTEIRAS DO PENSAMENTO - 17ª TEMPORADA

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