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Empresários parceiros do nazismo ficaram bilionários e ergueram marcas famosas

Jornalista mostra em livro como magnatas alemães ajudaram a financiar o partido de Adolf Hitler

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São Carlos (SP)

Alguns dos maiores bilionários da Alemanha de hoje —gente ligada a marcas-símbolo da indústria e dos negócios do país, como BMW, Volkswagen e Allianz— pertencem a dinastias empresariais que foram parceiras de primeira hora do regime nazista.

Um novo livro detalha como esses magnatas ajudaram a financiar o partido de Adolf Hitler, se apossaram de empresas fundadas por judeus e se aproveitaram de milhares de trabalhadores escravizados durante a Segunda Guerra Mundial.

criança vestindo uniforme nazista ao lado de dois adultos
O jovem Harald Quandt, com a mãe, Magda, e Joseph Goebbels em 1931, em imagem contida no livro 'Bilionários Nazistas' - Divulgação

Os pormenores dessa história estão em "Bilionários Nazistas", obra do jornalista holandês David de Jong que chegou recentemente ao Brasil. Segundo o autor, um simples casamento de conveniência está por trás do êxito dos personagens do livro durante o Terceiro Reich. "A maior parte desse grupo era composta por oportunistas impiedosos, que seriam capazes de prosperar em qualquer sistema político", explica De Jong.

"Era gente que começou ganhando bastante dinheiro na época do Império Alemão [antes e durante a Primeira Guerra Mundial], continuou lucrando durante a República de Weimar [fase democrática da Alemanha após a guerra] e, finalmente, abraçou a Alemanha nazista", diz ele.

"Poucos eram ideologicamente convictos em relação ao nazismo —em geral, estavam mais associados ao conservadorismo político tradicional. Mas apoiaram Hitler porque ele cumpriu o que lhes tinha prometido em termos econômicos."

De Jong, de família parcialmente judia e descendente de pessoas que foram perseguidas, escravizadas ou morreram em campos de concentração durante a ocupação da Holanda pelos nazistas, percebeu que faltava contar em mais detalhes as histórias desses bilionários quando trabalhava para a agência de notícias Bloomberg.

Ele investigava casos de riqueza oculta e empresas familiares nos países de língua alemã e, em 2012, acabou encontrando um site discreto da Harald Quandt Holding, companhia com patrimônio orçado em US$ 18 bilhões. De Jong então ficou sabendo que esse Harald Quandt era o único filho do primeiro casamento de Magda Goebbels, mulher do ministro da Propaganda nazista, Joseph Goebbels.

Todos os meio-irmãos de Harald foram forçados a cometer suicídio por Joseph e Magda (que também se mataram) quando os nazistas foram derrotados na Segunda Guerra Mundial —eles estavam abrigados no mesmo local onde Hitler também se matou. Só Harald sobreviveu, tendo assumido parte dos negócios da família Quandt após a guerra, ao lado de seu meio-irmão, Herbert.

O autor de "Bilionários Nazistas" acabou descobrindo muitas histórias parecidas ao longo de quatro anos de investigação. "Decidi me concentrar nas famílias alemãs que ainda eram relevantes no ambiente de negócios global hoje, porque algumas deixaram de existir desde então", conta.

Outro critério foi abordar a trajetória de empresas que não apenas lucraram com a economia de guerra do Terceiro Reich, fornecendo armamentos e equipamentos para as Forças Armadas alemãs, mas em especial as que se beneficiaram de aspectos mais ideológicos do nazismo, como o antissemitismo e o uso de trabalho escravo.

Segundo esse recorte, destacam-se figuras como o industrial Günther Quandt, pai de Harald, cujos descendentes estão ligados à BMW; Ferdinand Porsche, criador da Volkswagen e da Porsche; Richard Kaselowsky e Rudolf-August Oetker, respectivamente pai e filho adotivo, da popular multinacional de produtos alimentícios Dr. Oetker; e o banqueiro August von Finck, da família de fundadores da Allianz.

Tanto Günther Quandt quanto August von Finck estiveram presentes numa reunião peculiar entre grandes nomes do empresariado alemão e a alta hierarquia do Partido Nazista em 20 de fevereiro de 1933. No encontro, os magnatas ouviram de boca fechada enquanto Hitler —que tinha assumido a liderança do governo alemão havia menos de um mês— explicou como planejava acabar com a democracia na Alemanha em breve, por meio da última eleição da história do país "nos próximos cem anos".

"A empresa privada não pode ser mantida na era da democracia. Ela só é concebível se o povo tiver uma ideia sólida de autoridade e personalidade", argumentou o futuro ditador.

No fim do encontro, os empresários foram convidados a fazer doações para a campanha eleitoral do Partido Nazista. E toparam a proposta de oferecer 3 milhões de marcos (cerca de US$ 20 milhões em valores atuais) ao fundo eleitoral da coalização liderada por Hitler.

A ajuda inicial foi amplamente recompensada por meio de generosos contratos de fornecimento para o governo durante o longo processo de rearmamento da Alemanha, que acabaria culminando com a Segunda Guerra Mundial.

Além disso, os bilionários pró-Hitler se beneficiaram do processo de "arianização" das empresas do país. Por meio das leis antissemitas impostas por Hitler, empresários judeus foram coagidos a vender suas companhias ou ações a preço de banana para alemães "arianos" (não judeus), isso quando chegavam a ser pagos.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com Adolf Rosenberger, fundador da Porsche, que perdeu sua parte da empresa automobilística para a família de seu colega Ferdinand Porsche. Em vários casos, após a arianização, os ex-empresários judeus tentaram conseguir ajuda dos antigos sócios para escapar da Alemanha, mas foram rejeitados por eles.

Por fim, quando as forças nazistas ocuparam boa parte da Europa durante a guerra, incluindo vastas regiões da Polônia e da União Soviética, entre 12 milhões e 20 milhões de cidadãos dos países invadidos foram forçados a trabalhar para empresas alemãs que os "requisitavam" ao governo.

"Em grande parte, era um processo de destruição populacional por meio do trabalho, no qual a intenção era simplesmente explorar essas pessoas ao máximo possível", diz De Jong. Não era incomum que trabalhadores russos e poloneses sem proteção alguma e até descalços trabalhassem com metalurgia, por exemplo, o que ocasionava inúmeros acidentes com pouquíssima assistência médica.

Para o autor, há paralelos entre o que aconteceu no regime nazista e situações mais recentes de colaboração entre o mundo empresarial e regimes ditatoriais. "O capitalismo, claro, é amoral na sua essência —o importante é o lucro. O que vemos nesses regimes é que os homens de negócios acabam seguindo a linha do governo."

Bilionários Nazistas: A Tenebrosa História das Dinastias Mais Ricas da Alemanha

  • Preço R$ 104,90 (400 págs.); R$ 44,90 (ebook)
  • Autoria David de Jong
  • Editora Objetiva
  • Tradução Otacílio Nunes
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