Descrição de chapéu
Livros

Lawrence Ferlinghetti acredita na poesia nas ruas, muros e gargantas

'Poesia como Arte Insurgente' se destaca pelo tom de manifesto que tanto dialoga com a literatura que o autor incentivou

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Raquel Toledo

Professora, pesquisadora e mestre em literatura e cultura russa pela Universidade de São Paulo

Poesia como Arte Insurgente

  • Preço R$ 51 (104 págs.)
  • Autoria Lawrence Ferlinghetti
  • Editora 34
  • Tradução Fabiano Calixto

Qual o poder da poesia? Essa pergunta, que hoje pode soar ingênua, parece ter seu fôlego renovado diante da leitura de "Poesia como Arte Insurgente", publicação inédita no Brasil que reúne textos que apresentam, em comum, a visão sobre arte de Lawrence Ferlinghetti.

homem idoso branco com roupa azul e chapéu em frente a pintura em tons de preto
O poeta Lawrence Ferlinghetti em frente a pintura feita por ele em seu escritório - Brian Flaherty/The New York Times

Apesar de não ser tão conhecido no Brasil, Ferlinghetti viveu uma vida difícil de ignorar: nasceu em 1919 e logo ficou órfão. Mudou-se para a França para viver com uma tia materna e, ao voltar aos Estados Unidos, passou um tempo em orfanatos até ser adotado.

Depois começou seus estudos universitários e, em 1941, logo após se formar, foi convocado para lutar na Segunda Guerra. Em 1945, visitou Nagasaki logo após a explosão da bomba nuclear. Com o fim da guerra, seguiu uma carreira acadêmica na área de literatura, para depois firmar residência em São Francisco.

Lá, Ferlinghetti participou do movimento beat e abriu a livraria City Lights, que pouco depois se tornou também a editora de grandes nomes da poesia beat, como Allen Ginsberg. É pela própria editora que Ferlinghetti publicou seus livros.

Considerado como uma ameaça comunista para a intelectualidade americana, foi monitorado por autoridades do calibre de J. Edgar Hoover. Mas não deixou de produzir e de viajar pelo país espalhando os seus versos em alto e bom som.

Em 2021, morreu aos 101 anos de idade, deixando inúmeros textos em diversos gêneros literários. Entre eles, "Poesia como Arte Insurgente" se destaca por trazer o tom de manifesto, que tanto dialoga com a poesia publicada pela City Lights nos anos 1950.

O primeiro texto, que dá título ao livro, é repleto de palavras de ordem e surpreende o leitor contemporâneo pela confiança do autor no impacto que a poesia pode ter no curso do mundo real. Sempre ligada ao cotidiano e praticada com intenção de agir, a poesia deve ser acessível: "poesia não é um produto, é, em si mesma, uma partícula elementar" e "lance um grito selvagem sobre os telhados do mundo".

Conselhos, quase como aforismos, ganham potência pelo estilo, pelas reverberações sonoras que não impedem que a mensagem seja passada, mas trazem ao texto a sofisticação da boa poesia – e, importante dizer, da boa tradução de Fabiano Calixto, que cria em português a complexa simplicidade do pensamento de um poeta que acredita nas palavras fora da estante, na rua, na garganta, pintada nos muros.

O tom do livro se mantém na segunda parte, "O que é poesia". As metáforas ganham ainda mais na criatividade para inventar uma nova arte poética e exigem ainda mais do tradutor, que corresponde de forma igualmente lírica: "A poesia é um arrepio na pele da eternidade".

Ao final, o livro traz "Premonições", dois "Manifestos populistas" e o texto em prosa "Poesia moderna é prosa". Nos manifestos há evocação de grandes nomes da literatura. Não faltam referências: Maiakóvski, Whitman, Ginsberg, Rimbaud, Dylan.

Em "Poesia moderna é prosa", o autor discorre em ritmo ligeiro sobre o tom da poesia moderna que foi sequestrado pela máquina. É nesse texto que Ferlinghetti cita uma escritora, a única além de Safo em todo o livro, que aparece entre tantos autores homens: Marianne Moore.

Todos esses textos foram publicados e alterados várias vezes pelo autor ao longo da vida, em uma constante atualização. O próprio formato da edição brasileira remonta à fé de Ferlinghetti na poesia em movimento: é um livro para se levar no bolso e ser lido nas praças, em voz alta, no mundo do lado de fora, um livro anti-isolamento social.

Se Ferlinghetti, testemunha da história, se colocou na linha de frente da construção de uma poesia pós-guerra, a publicação do livro neste momento da nossa história traz um novo olhar ao texto-manifesto e reluz com a potência do que chamaríamos outrora de ingênuo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.