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Maya Angelou aproxima uma nova geração de sua intimidade militante

'Não Trocaria Minha Jornada por Nada' traz conselhos de uma das maiores difusoras da liberdade negra

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Vanessa Oliveira

Jornalista, doutora em ciências sociais e professora de jornalismo das universidades Mackenzie e PUC, em São Paulo

Não Trocaria Minha Jornada por Nada

  • Preço R$ 39,90 (112 págs.)
  • Autoria Maya Angelou
  • Editora Nova Fronteira
  • Tradução Julia Romeu

O escritor cubano Carlos Moore é uma testemunha ocular da história. Conheceu Fidel Castro, militou com Malcolm X, viveu com Fela Kuti. Mas mesmo com esse rol de notáveis que desfilam por sua autobiografia, "Pichón", publicada aqui pela editora Nandyala, um dos nomes mais citados é o de Maya Angelou.

mulher negra com colar de ouro e vestido vermelho olha para fora de janela
Maya Angelou fotografada em seu apartamento em outubro de 1998 - Andrea Mohin/The New York Times

Moore a conheceu fortuitamente na National Memorial Bookstore, nas palavras dele, o "quartel-general dos ativistas negros do Harlem" durante a efervescência global dos anos 1960.

Angelou, que naquele momento atuava, cantava e dançava, era 15 anos mais velha que Moore e causou uma impressão duradoura no adolescente recém-chegado aos Estados Unidos. Dirigiu a ele palavras docemente severas para que conhecesse melhor a história opressora do país que o acolhia, sugeriu que deixasse de alisar o cabelo ou clarear a pele e o provocou sobre seu desejo compulsivo por mulheres brancas.

Doses de uma sabedoria exuberante que foram servidas com elegância, sem desvios do seu propósito militante, durante toda a sua vida —atingindo e transformando, além de Moore, pessoas como a apresentadora Oprah Winfrey e os rappers Tupac Shakur e Common.

Amiga e companheira política de figuras como o próprio Malcolm X e Martin Luther King, de quem se aproximou inicialmente pela sua ideia de luta não violenta, Angelou fez de sua escrita um instrumento fundamental na difusão dos ideais de liberdade para a população negra dos EUA, o que a consagrou como uma das mais importantes vozes do século 20.

Além da compreensão do cenário racial dos Estados Unidos, ela nutria um genuíno interesse pelos movimentos de descolonização que aconteciam em África e o que as histórias vindas de lá poderiam revelar sobre o passado escravista e agregar à batalha presente pela sempre inconclusa abolição.

Publicado nos Estados Unidos pela primeira vez em 1993, o livro "Não Trocaria Minha Jornada por Nada" coloca uma nova geração de leitores na intimidade militante de Maya Angelou.

O título é emprestado de "On my Journey Now", clássico do hinário gospel afro-americano, pelo qual a autora tinha verdadeiro fascínio —um detalhe soprado pela pesquisadora e escritora Letícia Santanna.

Com prefácio da escritora Vilma Piedade e tradução de Julia Romeu, as lições quase todas autobiográficas estão distribuídas por 112 páginas. São histórias rápidas, que partem de anedotas simples, pessoais, familiares, e conseguem alcançar uma profundidade impressionante – ainda que, vez ou outra, esbarrem em um certo moralismo ou tragam conclusões que envelheceram mal.

Apesar disso, o livro tem inegável valor consultivo: é possível abri-lo aleatoriamente e encontrar um conselho sábio para enfrentar uma situação difícil.

Destaque para dois textos: "Alguém pode ser demais?", que reflete sobre a perversidade manipuladora de determinadas exaltações das mulheres, cujo pano de fundo é a manutenção de sua opressão; e "Vozes do respeito", uma abertura de diálogo sobre a necessidade de um trato mais generoso entre pessoas negras. Ou ainda o dolorido "Aumentando os limites" sobre vitórias profissionais, solidão e os dilemas de se abrir a relações interraciais.

O livro termina com um respiro agradável intitulado "Um dia longe", que lembra a importância de se afastar dos problemas para "dissipar o rancor, transformar a indecisão e renovar o espírito".

A preocupação de Angelou com a construção de uma identidade digna de orgulho e uma individualidade saudável entre pessoas negras desemboca na crença de que é possível construir uma comunidade forte, conhecedora da sua história pregressa e ciente dos seus desafios futuros.

Para ela, não bastava cantar, dançar, dirigir filmes, escrever. Era preciso ter a certeza de que as palavras eram nítidas o suficiente para ajudar as distintas gerações de seu povo a sobreviver e, mais do que isso, viver. É uma leitura que, apesar de breve e direta, permite um mergulho no universo de significados, pensamentos e poesia de uma poderosa formuladora da luta negra por liberdade.

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