Descrição de chapéu Artes Cênicas

Otávio Augusto chega aos 60 anos de carreira evitando se render ao conformismo

Ator vive o protagonista de 'A Tropa' após marcar décadas da televisão e do teatro, incluindo colaborações com Zé Celso

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ubiratan Brasil
São Paulo

O elenco da peça "A Tropa" já se acostumou a entrar em cena preparado, pois não há sessão em que o protagonista, o ator Otávio Augusto, não surpreenda os colegas com algo inusitado.

"Certa vez, ele esqueceu de uma fala raivosa, mas compensou arremessando um travesseiro. Cenicamente foi até mais forte do que se tivesse dito a frase", conta Daniel Marano. Já Alexandre Menezes se diverte ao relembrar: "Meu personagem é insultado de diversas maneiras pelo dele, mas Otávio sempre muda o xingamento, já até me chamou de Recruta Zero".

O ator Otávio Augusto na peça 'A Tropa'
O ator Otávio Augusto - Philip Lavra e Isadora Relvas/Divulgação

"Não consigo ficar sempre no mesmo esquema", diz Augusto que, com "A Tropa", em cartaz no Teatro Vivo, comemora seus 60 anos de carreira. Uma marca um tanto imprecisa, pois ele estreou como amador em 1962, na peça "O Fim", de Boris Fetcher, quando ainda trabalhava em uma companhia de seguros, em São Paulo, e como profissional em "Os Inimigos", em março de 1966, já com Zé Celso no Teatro Oficina.

"Os 60 anos ficam por conta da estreia de 'Pequenos Burgueses', em 1963, mas a peça continuou vários anos em cartaz com diversos elencos e Otávio entrou em um deles", afirma Marano, também professor de história do teatro brasileiro na Casa das Artes de Laranjeiras, a Cal, no Rio de Janeiro, o que lhe rendeu vasto conhecimento sobre a trajetória do veterano ator, hoje com 78 anos.

Em cena, Marano vive João Baptista, um dos quatro filhos que vão visitar o pai, vivido por Augusto, um ex-militar viúvo e autoritário preso a uma cama de hospital.

Os rapazes formam um mosaico da sociedade brasileira. Há Humberto, dentista militar aposentado que mora com o pai; João Batista, jovem usuário de drogas com passagens por clínicas de reabilitação; Artur, papel de Alexandre Galindo, empresário casado, pai de duas filhas, que trabalha numa empreiteira sob investigação por corrupção; e Ernesto, interpretado por André Rosa, jornalista que acaba de pedir demissão e passa por uma crise com a profissão. Nota-se que todos levam nomes de ex-presidentes do regime militar.

"Foi um período em que o simples veto da censura acabava com a carreira de qualquer espetáculo, como aconteceu com a temporada carioca de 'Os Rapazes da Banda'. A peça fez enorme sucesso em São Paulo, mas precisamos brigar durante dois meses até conseguir a liberação no Rio", diz Augusto sobre a montagem estreada em 1970 e que mostrava o cruel encontro entre amigos homossexuais em uma festa de aniversário.

Curiosamente, foi a falta de um veto militar que possibilitou Otávio Augusto estrear no Teatro Oficina, em 1966, quando "Os Inimigos", de Máximo Gorki, foi encenada. O ator tinha sido selecionado para outra montagem, um texto de Lauro César Muniz, que só estrearia caso a outra fosse proibida.

"Por fim, 'Os Inimigos' foi liberada e eu acreditava que estava fora, mas Fernando Peixoto, que dividia a direção com Zé Celso, gostou do meu teste e o convenceu a me escalar na peça de Gorki."

Sem nunca alcançar o patamar dos galãs, Otávio Augusto desenvolveu ao longo dos anos um talento peculiar, capaz de cativar o espectador. "Ele é um ator muito poroso, que consegue a adesão imediata da plateia", costumava dizer Zé Celso.

Já o cineasta Ugo Giorgetti, que rodou cinco filmes com participação de Augusto, enquadra o ator em uma definição feita pelo também diretor Elia Kazan.

"Ele tanto tem profundidade como largueza, ou seja, é capaz de fazer um juiz de futebol corrupto ou um funcionário do IML com a mesma qualidade. Você joga o problema na mão do Otávio e ele resolve."

Giorgetti nota ainda a economia de recursos cênicos utilizados pelo ator, elogiando o potencial de seu silêncio em cena, a sedução provocada pela sua inteligência e a convicção de Augusto de que, no palco ou na tela de TV e cinema, o pouco vale muito.

"Isso sem se esquecer do senso de humor apurado, que revela a confusão requintada que é a vida humana", diz.

Foi graças ao timing em encontrar soluções inusitadas e engraçadas que Otávio Augusto conseguiu trazer o holofote para personagens secundários. É o caso do juiz de futebol corrupto em "Boleiros - Era Uma Vez o Futebol", filme dirigido por Giorgetti em 1998. Os 15 minutos em cena tornaram-se referência elogiosa ao longa-metragem.

O mesmo aconteceu na telenovela "Vamp", exibida pela Globo em 1991. Quando soube que seu personagem, Matoso, viraria um vampiro —assim como os protagonistas da trama—, Otávio surpreendeu ao aparecer no set com apenas um canino.

"O [Antônio] Calmon, autor da novela, ficou desconfiado e só se acalmou quando o veio o sucesso de público", afirma o ator.

O aprendizado do uso do humor, conta Augusto, veio com dois colegas de ofício: o sambista Adoniran Barbosa, com quem trabalhou na Rádio Record no programa História das Malocas, líder de audiência nos dez anos em que ficou no ar; e o ator e humorista Jorge Dória, para quem o comediante, ao buscar o riso da plateia, necessita encontrar o ritmo certo para falar diretamente com ela.

"Com eles, descobri o momento ideal para soltar uma frase engraçada e surpreender o público. Também não importa a dimensão do papel que estou representando: sou sempre o protagonista para mim", diz ele, cuja técnica é admirada pelos colegas da peça "A Tropa".

"Antes de todas as sessões, enquanto fazemos aquecimento vocal e corporal, Otávio fica sentado, esperando disperso, balançando a perna direita. Não parece que vai entrar em cena logo em seguida e surpreender a todos", observa Daniel Marano.

Zé Celso reconheceu o talento e a sensibilidade do ator muito antes de sua estreia nas peças do Teatro Oficina.

"Num dia, apareceu na minha frente um sujeito que atuava com espontaneidade, humor e emoção. Um ator feito, que nasceu com a vocação. Era Otávio Augusto", escreveu o dramaturgo na orelha do livro da peça, publicado em 2018 pela Editora Cobogó.

A Tropa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.