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Rolling Stones falam sobre começar de novo com o álbum 'Hackney Diamonds'

Mick Jagger, Keith Richards e Ronnie Wood relatam experiência de voltar a gravar inéditas após 17 anos

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Jon Pareles
The New York Times

Em 2022, 17 anos depois que os Rolling Stones lançaram seu último álbum de canções originais, Mick Jagger decidiu que a banda havia enrolado e procrastinado por tempo suficiente. Sessões de gravação tinham sido feitas e esquecidas; canções inacabadas iam se acumulando.

três homens idosos de óculos escuros e jaqueta, um deles de chapéu à esquerda
Keith Richards, Ronnie Wood e Mick Jagger, dos Rolling Stones, em evento de lançamento de 'Hackney Diamonds' - Daniel Leal/AFP

Charlie Watts, o baterista e pilar rítmico da banda por toda a vida, morreu em 2021, mas a banda continuava a fazer turnês sem material novo. "Ninguém estava controlando a agenda", recorda Jagger. "Ninguém estava dizendo que o prazo acabou".

Foi então que o cantor decidiu fazer exatamente isso. O resultado é "Hackney Diamonds", uma coleção barulhenta, rabugenta e irredutível de novas canções, de uma banda que recusa a se acalmar com a idade.

Para o novo álbum, a parceria entre Jagger e Keith Richards, que teve momentos conflituosos, encontrou uma maneira de se realinhar. Perto do final das sessões, eles até terminaram de compor uma canção — "Driving Me Too Hard"— sentados juntos em uma sala, como faziam nos primeiros anos da banda.

"Somos uma dupla esquisita, cara", disse Richards por vídeo do escritório de seu empresário, em Nova York, cercado de produtos e objetos de recordação dos Stones. Seus cabelos grisalhos estavam presos por uma faixa e a capa emoldurada do álbum "Tattoo You", de 1981, com o rosto estriado de Jagger, pendia de uma parede por sobre sua cabeça. "Eu o amo muito, ele me ama muito, e é só isso que precisamos dizer a respeito".

"Hackney Diamonds", previsto para sair em 20 de outubro, é tanto uma nova explosão quanto um resumo. O disco se aprofunda no estilo estabelecido há muito tempo pelos Stones: riffs de guitarra vigorosos, os vocais orgulhosamente intempestivos de Jagger, bases de blues e interação sempre improvisadas entre as guitarras.

"Você sabe, a coisa funciona assim, mas poderia ser dessa outra maneira", disse Richards. "Sem improviso não haveria nada, para começar. O rock não tem regras, é o que quero dizer. É por isso que ele existe".

Nas músicas da banda, Jagger canta sobre frustração, desejo, fuga, resistência e transcendência. "Angry", a abertura do álbum, oscila entre a conciliação e a exasperação. A punk "Bite My Head Off" —que conta com Paul McCartney tocando um baixo distorcido— é uma reação às tentativas de controle de alguém. E a melancólica "Depending on You", em levada country, lamenta um romance perdido: "Eu estava fazendo amor, mas você tinha planos diferentes", canta Jagger.

As canções são orgânicas e feitas à mão, o que fica muito claro, e não em uma grade de computador; elas aceleram e desaceleram com pulso humano. E o álbum é uma afirmação da posição de prestígio da banda no mundo da música, com participações de McCartney, Stevie Wonder, Lady Gaga e Elton John.

Jagger zomba da ideia dos Rolling Stones como instituição. "É só uma banda", diz.

Mas Ronnie Wood, guitarrista que entrou para o grupo em 1975, valoriza suas seis décadas de continuidade. "Essa tem sido a minha função durante todos esses anos, manter minha instituição em atividade", diz ele em uma entrevista por vídeo de seu apartamento em Barcelona.

"Quando Mick e Keith se desentendiam, eu fazia o possível para reuni-los novamente, pelo menos para que conversassem e fizessem os motores roncarem novamente."

O título do álbum vem de uma gíria londrina. Hackney é um bairro no leste de Londres que por muito tempo teve a reputação de ser barra pesada, embora tenha se tornado mais sofisticado ultimamente. Wood explica que "diamantes de Hackney" é uma gíria para os cacos quebrados dos vidros de carros arrombados para furtos.

"Muitas das faixas do álbum têm essa explosão", disse Wood. "Esse é um álbum que realmente vai direto ao ponto".

Para fazer o novo LP, a banda recuperou "um senso de urgência", diz Jagger por vídeo de Paris, com pinturas da elegante nobreza francesa na parede por trás dele. É claro que os membros de longa data dos Rolling Stones —Jagger, 80, Richards, 79, e Wood, 76— não estão ficando mais jovens.

"Eu disse a Keith que, se não tivéssemos um prazo, nunca terminaríamos o disco", diz Jagger. "Por isso estabeleci o Dia dos Namorados de 2023 como prazo final. E que depois disso sairíamos em turnê. Era isso que costumávamos ter de fazer. Você sabe, é preciso terminar 'Exile on Main Street' porque temos uma turnê marcada".

Mesmo sem álbuns novos, os Stones continuaram fazendo turnês nas décadas de 2010 e 2020. A banda ia aos estúdios ocasionalmente para começar a compor músicas, mas nunca chegava a terminá-las.

Enquanto isso, Jagger e Richards acumularam um catálogo de material novo em diversos estágios, composto separadamente, aguardando os toques colaborativos da banda.

Jagger também percebeu, segundo ele, que "precisávamos envolver alguém que pudesse brandir o chicote".

O escolhido foi Andrew Watt, que ganhou um Grammy como produtor do ano em 2021. Watt, 32, fez sucessos do pop com Miley Cyrus e Justin Bieber e cuidou da parte técnica em álbuns de final da carreira de Ozzy Osbourne e Iggy Pop. Watt também é guitarrista, fã dos Rolling Stones e estudou todas as músicas do catálogo da banda.

Como produtor, ele era "orientado por resultados", disse Watt. "Eu era o novato. Portanto, não tinha a bagagem que vem com uma banda que está junta há mais de 60 anos. Há muita história entre todas as pessoas na sala, especialmente entre Mick e Keith. Portanto, a única maneira que encontrei de navegar por aquelas águas foi agir rapidamente."

Depois de anos de sessões inconclusivas e de questionamentos e dúvidas, os Stones gravaram "Hackney Diamonds" no que Richards chamou de "uma blitzkrieg" —questão de meses em vez de anos.

"Trabalhamos rápido, mas essa era a ideia", diz ele e acrescenta, com uma risada: "Ainda estou me recuperando".

O cronograma de gravação apertado serviu para tirar do caminho as hesitações, diz Jagger. "Fazemos umas quatro ou cinco tomadas, estão OK e seguimos em frente."

"Assim, ninguém tinha tempo para realmente pensar: 'Bem, será que essa canção é boa? Deveríamos estar fazendo essa música?’. Porque eu fico introspectivo, sabe. Essa música é tão boa quanto a outra? Aquela música é parecida com outra que já fiz? Essas são coisas que você pode deixar para descobrir mais tarde. Vamos continuar."

Nas sessões, Watt era um entusiasta e também um ouvinte crítico. O álbum foi gravado em Paris, Nova York, Bahamas, Londres e, principalmente, Los Angeles, um ímã conveniente para as estrelas convidadas do disco.

A cada dia no estúdio, Watt usava camisetas das turnê dos Stones e de suas bandas derivadas, como a X-Pensive Winos, de Richards, e a New Barbarians, de Wood.

Ele também adquiriu equipamentos antigos. Uma guitarra de plexiglas transparente de Dan Armstrong, como a que Richards tocou em "Midnight Rambler", é usada para o riff cáustico de "Whole Wide World", enquanto Jagger canta sobre superar opções ruins, declarando: "Você acha que a festa acabou/ quando ela está apenas começando".

Para os membros da banda, a parte mais importante do som dos Rolling Stones é o que Richards chama de "tecelagem", a interação entre os instrumentos, principalmente as guitarras, que está sempre mudando e é fruto do momento.

A banda gravou o núcleo da maioria das músicas tocando junta no estúdio, como fariam no palco. Em quase todas as faixas, Watt colocou as guitarras de Richards à esquerda e as de Wood à direita —o oposto do que um espectador de show veria, mas a forma como a banda se ouviria no palco.

"Eu queria que soasse enorme", ele diz. "Porque eles são maiores do que a vida. Eles são os Stones, [palavrão]. Ao ouvir esse álbum, você deve imaginar os Stones tocando em um estádio, porque é isso que eles são."

Wood, que compartilha o emaranhado de linhas de guitarra com Richards e Jagger, diz: "Quando a banda se reúne e essa mágica começa a acontecer, quem sabe aonde ela pode chegar?"

Uma turnê foi adiada, por conta do atraso na prensagem do vinil e de estádios já reservados para as turnês de Beyoncé e Taylor Swift. Mas o álbum ficou pronto; a gravação tinha mesmo sido concluída em 14 de fevereiro, embora a mixagem ainda não tivesse sido completada,.

Jagger diz: "Acho que nos demos muito bem nesse disco. É claro que temos discordâncias sobre como as coisas deveriam ser, mas acho que isso é normal. Às vezes sinto que Keith acha que gosto de tudo muito rápido. Mas eu sei que velocidade elas devem ter, porque sou uma pessoa completamente voltada para o groove".

Richards também. "O ritmo é a coisa mais importante em sua vida", disse Richards. "Muito do que você ouve não é o que você ouve, é o que você sente. E isso é uma questão de ritmo."

O ritmo dos Stones teve sua base em Watts, que morreu aos 80 anos. "Teria havido Rolling Stones sem Charlie Watts, mas sem Charlie Watts eles não seriam os Rolling Stones", diz Richards. "Ele era um dos caras mais calorosos que eu já conheci, muito tolerante com as outras pessoas. Ele realmente me impediu de assassinar pessoas. Quando pensei nele, agora mesmo, comecei a chorar. Obrigado por me levar às lágrimas."

O último álbum completo de Watts com a banda foi "Blue & Lonesome", um conjunto de covers de blues, em 2016. Mas a bateria de Watts, de sessões com o produtor anterior dos Stones, Don Was, impulsiona duas músicas em "Hackney Diamonds". Uma delas, "Live by the Sword", também inclui o baixista original aposentado dos Stones, Bill Wyman, e um piano honky-tonk tocado em estilo de boteco por Elton John.

Quando Watts ficou frágil demais para se apresentar, os Rolling Stones continuaram a turnê com um novo baterista: Steve Jordan, que Watts havia recomendado a Richards na década de 1980, quando Richards criou o X-Pensive Winos.

"Charlie era como um show de fogos de artifício, e Steve é como um trem", diz Wood. "Com a morte de Charlie e a passagem do bastão para Steve Jordan, foi um momento muito especial."

"Estávamos ensaiando em Boston quando Charlie morreu. Recebemos a notícia e tivemos um dia de folga. E pensamos que Charlie não iria querer que ficássemos sentados, lamentando e tudo mais. Voltamos direto para o trabalho e continuamos, mantivemos a chama acesa".

Para os Rolling Stones, "Hackney Diamonds" é o início da próxima fase da banda. "Com a saída de Charlie, acho que precisávamos deixar uma nova marca com Steve", disse Richards. "Reiniciar a banda foi importante".

Jagger diz: "Não acho que esse seja o último álbum dos Rolling Stones. Já temos quase três quartos do próximo disco gravado".

Mas o grupo final de músicas em "Hackney Diamonds" sugere uma interpretação alternativa. Richards faz o vocal principal de "Tell Me Straight", uma balada introspectiva, em que ele contempla finais com uma voz tristonha: "Preciso de uma resposta/ Quanto tempo isso pode durar?", ele canta. "Não me faça esperar/ Meu futuro está todo no meu passado?"

Em seguida, vem "Sweet Sounds of Heaven", uma canção em estilo gospel sobre a música como salvação, animada por Stevie Wonder nos teclados. "Vamos cantar, vamos gritar/ Vamos nos erguer, orgulhosos/ Que os velhos ainda se creiam jovens", cantam Jagger e a exuberante Lady Gaga, empurrando um ao outro para um pico e, depois de uma pausa, retomando o groove como uma jam de estúdio que sobe ainda mais —um clímax extasiante para o álbum.

E depois vem o epílogo: um dueto de Jagger e Richards no blues de Muddy Waters que deu nome à banda: "Rolling Stone Blues". É apenas a voz e a harmônica de Jagger e a guitarra de Richards, sem adornos, em tempo real, voltando ao amor pelo blues que os uniu na adolescência. Poderia ser um pós-escrito para uma carreira, ou uma reafirmação.

"Foram seis tomadas no total", diz Watt. "A que entrou no disco é a quarta tomada. E, à medida que cada tomada era feita, eles se aproximavam cada vez mais. Mais e mais e mais perto".

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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