'Carnaval', quadro perdido de Di Cavalcanti, é exposto pela primeira vez no Brasil agora

Com retratos e rodas de samba, exposição reúne obras raras do modernista para comemorar os 125 anos de seu nascimento

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São Paulo

Uma tela enorme mostra uma cena de Carnaval de rua do século passado. Casinhas coloniais, colinas e um trilho de trem solitário servem de fundo para sete personagens, alguns mascarados, outros com longas saias coloridas. Um deles, de regata e pelos do peito à mostra, segura um cavaquinho.

Obra 'Carnaval', de Di Cavalcanti - Jaime Acioli/Divulgação

Pinceladas mais escuras acentuam as ondulações da saia da figura central, que parece pronta para a festança, e conferem uma volumetria hipnotizante ao tecido. Soma-se ao traço um vermelho vibrante e a obra se torna inconfundível, é de uma tela de Emiliano Di Cavalcanti.

O itinerário de "Carnaval" era desconhecido desde a sua venda pelo próprio pintor, na Paris da década de 1930. Recentemente, a obra foi descoberta no apartamento de um colecionador, ainda na capital francesa, e agora a tela integra a exposição "Di Cavalcanti – 125 anos", em cartaz no Farol Santander, em São Paulo.

Denise Mattar, a curadora da mostra, analisou a tela junto a Elisabeth, filha de Di, que confirmou a autoria do pai. "Depois dos trâmites legais, a obra finalmente veio ao Brasil", diz.

A tela tem semelhanças com "Samba", de 1925, queimada em um incêndio no apartamento do marchand Jean Boghici, em 2012.

Ambas as obras trazem referências ao muralismo mexicano, do qual Di Cavalcanti seria um grande admirador nos anos seguintes. "Em 1922, quando aconteceu a Feira Internacional no Rio de Janeiro, tinha um pavilhão mexicano, frequentado por Di", diz Mattar.

A exposição traz outro "Samba", uma pequena aquarela datada de 1935, que representa músicos em uma roda de samba, com traços caricaturais e vestes minuciosamente detalhadas.

Apesar de ter sido consagrado enquanto pintor, Di Cavalcanti iniciou sua carreira como desenhista, profissão que manteve por anos. "Fantoches da Meia-noite", uma série de desenhos feitos em 1921 e expostos na Semana de Arte Moderna, também estão presentes na mostra.

De tom obscuro, personagens em preto e branco são desenhadas presas a cordas, como se fossem bonecos sem autonomia. A obra foi uma representação de Di da prostituição nas ruas de uma São Paulo do início do século.

Para Mattar, "Fantoches da Meia-noite" poderia ser considerado o primeiro trabalho autoral do pintor, concebido durante sua amizade com Oswald de Andrade e outros modernistas paulistanos. "Ele dizia que a Semana de 1922 tinha sido uma ideia dele. Nenhum contemporâneo contestou, só estudiosos anos depois", diz Mattar.

As ilustrações foram editadas em uma publicação de Monteiro Lobato, lançada pouco depois em uma das mais badaladas da capital.

Além de "Carnaval" e "Fantoches da Meia-noite", a mostra traz obras que ilustram bem a trajetória de Di Cavalcanti enquanto pintor, conhecido por ser amante da boêmia. "Seresta", de 1925, por exemplo, mostra um grupo de pessoas no que parece ser uma pequena celebração.

A representação de mulheres era uma das temáticas mais frequentes na obra de Di Cavalcanti. Entre os vários retratos presentes na exposição, está "Abigail", de 1940, uma mulher negra de olhar melancólico e vestes verdes.

Assim como o retrato, "Nascimento de Vênus", feito no mesmo período, inaugura uma fase na pintura de Di relacionada ao último período que o artista passa em Paris, onde se refugiou da perseguição ao comunismo. A partir dali, apesar das cores vibrantes e das cenas felizes, seus personagens passam a ter um semblante desolado.

O quadro é uma reintepretação da Vênus de Botticelli, em que a deusa do amor não é a única figura feminina a ocupar a tela. Pelo contrário, são quatro mulheres em uma paisagem litorânea brasileira. Enquanto uma delas segura a Vênus nos braços, a outra penteia os cabelos e, a última, parece esticar uma toalha.

Junto à "Carnaval", a obra reflete o estilo pelo qual Di Cavalcanti ficaria conhecido. Para o pintor, o povo que ocupava diariamente as ruas e praias, dos pescadores às mulheres desempenhando afazeres cotidianos, deveriam ser os protagonistas de suas telas.

Di Cavalcanti —125 anos

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