DJs brasileiros de techno se destacam no exterior: 'Mais valorizado fora que dentro'

Nomes como Anna, Victor Ruiz e Marcal fazem extensas turnês fora do país e tocam em festivais como o Tomorrowland

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A DJ Anna em apresentação

A DJ Anna em apresentação Divulgação

São Paulo e Boom (Bélgica)

De óculos escuros no rosto e copo de cerveja na mão, milhares de pessoas dançavam numa tenda de circo numa noite de domingo de julho. Chovia e ventava do lado de fora, mas nada acabava com o clima enérgico daquela pista comandada pela DJ Anna.

Era mais uma apresentação da paulista, um nome de projeção do techno, no festival Tomorrowland. Tocando em horário nobre, Anna assumiu as picapes antes da grande dama da música eletrônica belga, Amelie Lens, o que poderia dar à brasileira uma dose de insegurança.

Victor Ruiz, DJ brasileiro de techno
O DJ e produtor Victor Ruiz - Pedro Ferrarezzi

"Eu nunca fico nervosa. O meu estado interior é o mesmo se tocar no Tomorrowland ou num clube para 200 pessoas mais íntimas. Eu dou o meu melhor e vejo o que acontece. Se esvaziar a pista, aconteceu, a gente não pode controlar tudo na vida", ela diz.

Mas ninguém foi embora enquanto Anna mandava para os alto-falantes seu som pesadíssimo —havia fila para entrar na tenda, um dos maiores palcos do festival no interior da Bélgica. O público que ela conquistou num dos principais eventos de música eletrônica é um indicativo do reconhecimento de DJs brasileiros de techno no exterior.

Além de Anna, que ganhou popularidade este ano por ter remixado a faixa "My Cosmos Is Mine", do último disco do Depeche Mode, nomes como Victor Ruiz, Marcal, Alex Stein e Amanda Mussi têm feito extensas turnês fora do país ou se mudaram para a Europa porque a demanda para seus sets é maior no exterior.

Anna, de 38 anos, conta que tinha dificuldades em encaixar sua expressão artística no mercado brasileiro, o que a levou a trocar São Paulo por Barcelona em 2015, numa aposta em sua carreira que vingou. Segundo ela, no Brasil naquela época os promoters de festas estavam muito focados em eletrohouse e Brazilian bass, e havia pouco espaço para outro estilos de dance music.

"A cultura da música eletrônica na Europa é muito mais antiga e consolidada. O público e a diversidade são muito maiores", ela afirma, acrescentando que, apesar disso, o Brasil é hoje um país central na cena eletrônica. Os grandes festivais internacionais do gênero têm edições locais —o Tomorrowland retoma sua versão brasileira em outubro, os holandeses DGTL e Dekmantel estão marcados para novembro e o alemão Time Warp aconteceu em maio.

Victor Ruiz foi outro a emigrar. O DJ e produtor de 34 anos fixou residência em Berlim em 2018 e hoje mora em Lisboa. Ele conta que havia "cinco vezes mais demanda" para seu trabalho nos países europeus.

"Sou mais valorizado fora do Brasil do que dentro, infelizmente. Adoraria que fosse o contrário, mas não funciona desta maneira", ele afirma. Ruiz, formado na primeira turma de produção em música eletrônica da Universidade Anhembi Morumbi, se apresenta também com frequência em países da América do Sul.

Diante deste cenário, é inevitável a pergunta —o que é que o techno brasileiro tem? "É uma mistura de groove com melodias. Por mais que seja um techno mais energético, tem uma alma diferente, tem uma paixão, aquele calorzinho dentro do peito, sabe?", afirma Ruiz, sobre um tipo de música conhecido por sua atmosfera mais gélida e marcada.

Outro nome em ascensão internacional com seus sets hipnóticos, o DJ Marcal segue a mesma linha de raciocínio. "Acho que temos um senso de ritmo, herdado da nossa cultura —gêneros como o samba e a bossa nova elucidem isso— e essa característica pode acabar em evidenciada na construção das faixas." O goiano ressalva, contudo, que isso não é uma regra, mas sim uma inclinação.

O contexto macro também ajuda. De acordo com Ruiz, nos últimos anos a popularidade do techno cresceu muito —o gênero foi impulsionado por uma geração de jovens produtores que descobriram a música eletrônica durante a pandemia, num momento em que não podiam ir para as baladas, o que fez com que divulgassem seus trabalhos nas redes sociais.

Eli Iwasa, DJ e sócia das casas noturnas Caos e Club 88, em Campinas, volta quinze anos no tempo e lembra que a difusão do techno começou com a consolidação de Berlim como meca da música eletrônica underground.

O chamado som de Berlim influenciou festas na Europa e estimulou a cena das baladas independentes no Brasil, no início mais centradas no techno, mas que com o tempo se abriram para outros gêneros e desenvolveram suas identidades próprias, abrigando várias vertentes da eletrônica.

Além disso, Iwasa cita a residência de DJs de techno em casas noturnas de Ibiza, na Espanha, o centro da música eletrônica comercial, como outra evidência da consolidação do gênero no mainstream.

Contudo, para além do techno, o momento parece ser favorável, fora do país, para brasileiros na música eletrônica de maneira mais ampla. A DJ Carola foi a primeira mulher negra a se apresentar no palco principal do Tomorrowland, em julho, o que ela diz ter sido uma quebra de barreira. "Não sou um homem branco de classe média alta."

Gaúcha de origem periférica, Carola acaba de tocar em festivais nos Estados Unidos, e seus sets transitam por estilos como EDM, house e tech house.

Outros nomes de destaque no circuito internacional são Badsista, a produtora de Linn da Quebrada que lançou um disco solo com pegada funk, e Vintage Culture, responsável pelo remix de "Slow Down", um hit das pistas com graves superdançantes.

"Este é o melhor momento para DJs brasileiros fora do país", diz Iwasa. "Isto é um reflexo do amadurecimento da nossa cena. Toda semana tem artista brasileiro em turnê no exterior e isso tende a se consolidar nos próximos anos. A gente está vendo uma história ser construída."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.