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Heloisa Teixeira, ex-Buarque de Hollanda, quer levar a periferia ao coração da ABL

Filme 'Helô' conta a trajetória da intelectual na Mostra de Cinema de São Paulo a três meses da sua posse na Academia

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Heloísa Buarque de Hollanda em cena do documentário 'Helô'

Heloísa Buarque de Hollanda em cena do documentário 'Helô' Divulgação

São Paulo

"Uma entrevista na frente de uma biblioteca é meu pânico", diz Heloisa Teixeira por telefone, em uma manhã de quinta-feira. "Ai, a intelectual. Ai, a imortal. Eu detesto isso. Não gosto da postura construída da intelectual bem-sucedida."

Ela explica um de seus primeiros depoimentos no documentário "Helô", um retrato dirigido pelo filho, Lula Buarque de Hollanda, em cartaz na 47ª Mostra de Cinema de São Paulo. Na cena, descontraída, ela esbraveja contra o "intelectual lattes", que vomita informações para impor o saber como poder. "Percebi que ele é apenas um palhaço."

Heloísa Buarque de Hollanda em cena do documentário 'Helô'
Heloísa Buarque de Hollanda em cena do documentário 'Helô' - Divulgação

Com entrevistas gravadas na comodidade do seio familiar, o longa põe Heloisa em primeiro plano para falar sobre a trajetória que a levou a ser uma das intelectuais mais importantes do Brasil, retomando memórias da contracultura na década de 1970 até a posse na Academia Brasileira de Letras em julho deste ano.

Diante de uma plateia diversa, Heloisa —agora ex Buarque de Hollanda, já que aposentou o sobrenome do primeiro marido—, relembrou que aquela se tratava da primeira sucessão entre mulheres na ABL, que carrega o percentual histórico de dez mulheres para 339 homens.

Entre risadas, ela lembra quando Rachel de Queiroz precisou inventar uma versão feminina do fardão de posse da ABL. "Ela disse que só queria um decote em 'V'. Assim como na natureza, são os homens que precisam de adornos, como os leões e pavões", afirma.

Para Helô, não era de se esperar algo diferente da ABL, que reflete uma sociedade controlada pela lógica masculina. "Ainda há resistência em aceitar a experiência da mulher."

Apesar da honraria, a realidade a afeta. "Não me livrei da síndrome de impostora e isso é bem mulher. Quando fazemos algo, estamos sempre inseguras, enquanto os homens parecem heroicos", diz. "O trabalho é um perigo para qualquer mulher."

Mas a insegurança está longe de paralisá-la, e Helô chutou o medo da exposição no filme —"à essa altura, com 84 anos, não tem mais o que esconder". A idade lhe trouxe um sentido de prazo, "como se eu tivesse que fazer isso até segunda". "Estar perto da morte conforta, porque viver cansa."

Heloísa Buarque de Hollanda em cena do documentário 'Helô'
Heloísa Buarque de Hollanda em cena do documentário 'Helô' - Divulgação

Mas a escritora não parece cansada. Enxergou sua eleição na ABL como um "novo emprego", e iniciará um curso de escrita para pessoas periféricas na instituição, que considera uma extensão do projeto Universidade das Quebradas, inaugurado por ela na Universidade Federal do Rio de Janeiro e que articula pesquisadores e professores com artistas e ativistas das periferias.

O objetivo é estabelecer um local de troca de saberes em instituições onde o conhecimento periférico "não era potencializado, mas colonizado."

Heloisa espera levar o rap e o slam para a ABL como gêneros literários. Ao mesmo tempo, o encontro é benéfico para a Academia, visto a demanda para a formação de novas lideranças intelectuais.

"A carreira acadêmica é meritocracia pura, então é injusta, porque meritocracia é um problema de classe. É complicado [a ABL] se separar do resto da cidade, da produção de conhecimento vernacular."

Testemunhar a ligação entre as mulheres periféricas levou a intelectual feminista a abandonar o sobrenome Buarque de Hollanda para adotar o sobrenome materno. "Me deu uma vontade de me associar a minha mãe. Queria morrer agarradinha nela, e não como uma Buarque de Hollanda." "Tecnicamente, marido e pai é a mesma coisa", diz. "Agora sou uma nova mulher, sem nenhum dos dois."

Ela vê nas produções periféricas de hoje o espírito que, na década de 1970, foi incorporado pela contracultura —a geração mimeógrafo, os poetas marginais que ela juntou na antologia "26 Poetas Hoje", lançada em plena ditadura militar e execrada pela crítica.

Foram apresentados nomes como Chacal, Ana Cristina César, Roberto Piva e Torquato Neto. "Eles desafiavam o estatuto da literatura, escrevendo poesias em folhetos para jogar fora. A ideia da eternidade era descartada na compra."

Helô lembra como foi difícil encontrar três poetas mulheres para participar do livro. Hoje, ao reeditar a antologia apenas com mulheres, aumentou o número para 29. "Os premiados dos grandes concursos literários, hoje, são mulheres", diz, frisando o sucesso de Annie Ernaux. "A experiência social da mulher é muito forte."

Relembrando a poeta e amiga Ana Cristina César, morta em 1983, Helô comemora o aumento de publicações da poesia homossexual. "Com a Ana Cristina, você tem que escavar o cérebro e o coração dela para descobrir nos poemas uma ambiguidade, algum desejo. Hoje liberou total", diz.

Na ABL, ela espera criar novas premiações que indiquem pessoas antes fora da agenda. "Os acadêmicos se encastelam e passam a falar consigo próprios o tempo todo. Eu sempre tive medo de falar comigo mesma o tempo todo".

Helô

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