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'Ó Pai Ó 2' faz um apelo pela liberdade dos corpos negros

Sequência pode não ser um grande filme, mas o seu astral atravessa imagem descuidada e pode levar muitos ao cinema

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Ó Paí, Ó 2

  • Quando Estreia nesta quinta (23) nos cinemas
  • Elenco Lázaro Ramos, Luh Maza, Luciana Souza
  • Produção Brasil, 2023
  • Direção Viviane Ferreira

Eis um filme que não se impõe pela força do cinema. Mas, se triunfar e se tornar um sucesso, como o primeiro "Ó Pai Ó", de 2007, será pela força de algumas ideias que mal e mal percorrem suas imagens.

Analisando o "Ó Pai Ó" original, o crítico Cleber Eduardo escrevia na revista Cinética que o filme fazia de sexo e dança a identidade do Pelourinho, em Salvador, na Bahia. Seria uma visão bem elitista, é certo. Bem menos condescendente, Rodrigo Oliveira perguntava, na extinta revista Contracampo, se haveria um cérebro atrás da câmera durante as filmagens, pois dava a impressão de que as imagens se formavam independente de tudo.

Lázaro Ramos em cena do filme 'Ó Paí, Ó 2', dirigido por Viviane Ferreira - Divulgação

Não me lembro do filme de Monique Gardenberg, autora daquele filme, tão bem quanto de sua belíssima montagem para teatro de "Os Sete Afluentes do Rio Ota". Mas fica a dúvida se o rigor, no setor imagem, permanece o mesmo. Cérebro atrás da câmera havia.

Resta saber se nós, que escrevemos a respeito de filmes, mudamos na apreciação de filmes populares —o primeiro chegou a coisa como 400 mil espectadores, mas a maior parte no Nordeste. Dali para baixo o filme não andou tão bem.

De lá para cá, o filme brasileiro criou uma vertente de filmes vistos por grandes audiências. São obras capazes de sustentar a produção de longas pouco vistos, embora até mais relevantes, mas que de maneira geral não caiam no gosto dos críticos. Por vezes por erro nosso, por pura e simples intolerância em relação a produtos que outro público valorizava.

"Ò Pai Ó 2" chega no momento em que o filme nacional começa a sair de uma crise brutal, da tentativa mesmo de aniquilamento. Como no ciclo anterior, terá de dar com a cara na porta até encontrar de novo seu público. É nessa circunstância que se fez e que se lança esta sequência.

Quanto à imagem, talvez não esteja longe daquilo que dizia Oliveira. Ela é quase sempre descuidada. A dúvida é se esse descuido é buscado ou resultado de simples incompetência.

Arrisco que possamos estar no segundo caso. Dança e sexualidade continuam a fazer parte da identidade do Pelourinho, sem dúvida. Mas o essencial é que eles façam parte de um todo maior —o Pelourinho visto como lugar de alegria e resistência. Algo de que todos podem fazer parte, mas a identidade do Pelourinho é, antes de tudo, negra.

São corpos negros e sua energia que fazem em geral a música e a dança que preenche o lugar, que o habitam e o agitam. Trata-se então de um lugar simbólico de liberdade, associado no filme a corpos antes
escravizados e hoje ainda discriminados.

Se triunfar, portanto, o filme dirigido por Viviane Ferreira imporá uma ideia de luta, comandada por Neusão, que perde seu bar, o ponto de encontro de personagens e figurantes, e luta para recuperá-lo junto,
claro, a uma tropa de clientes e amigos.

Do mesmo modo, os inquilinos do cortiço continuam a animar a vida de dona Joana, enquanto todos eles preparam a festa de Iemanjá, isto é, em que todos proclamam sua adesão aos cultos afro-brasileiros.

Este segundo exemplar —sempre com Lázaro Ramos à frente— pode não ser um grande filme, mas sua simpatia, seu astral, seu apelo pela liberdade, atravessa os maus enquadramentos, supera os espaços estanques em que a geografia do filme parece se perder e pode até chamar um grande público aos cinemas. Este é mais um filme-manifesto do que outra coisa.

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