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críticas de filmes

'Tire 5 Cartas' atira para todo lado em busca do grande público

Filme com Lilia Cabral lembra comédia do Multishow, mas se acha ao cruzar 'Ghost' com 'Dona Flor e Seus Dois Maridos'

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Tire 5 Cartas

  • Elenco Lília Cabral, Stepan Nercessian, Claudia di Moura
  • Produção Brasil, 2023
  • Direção Diego Freitas

"Tire 5 Cartas" é mais uma tentativa de ressuscitar a comédia brasileira, gênero de enorme sucesso desde o início do século e cuja morte coincide em linhas gerais, e não por acaso, com a morte de Paulo Gustavo, maior cinematográfico que tivemos neste século.

Em um momento hostil ao cinema em geral e ao brasileiro em particular, o filme parece se perguntar o que, afinal, o espectador brasileiro gostaria de ver. Na dúvida, atira para todo lado: a comédia, o musical, o filme fantástico, comédia dramática.

Tire Cinco Cartas
Cena do filme 'Tire 5 Cartas', de Diego Freitas - Divulgação

Ali, Fátima, papel de Lilia Cabral, é a mulher que há muito trocou São Luís do Maranhão pelo Rio de Janeiro, na esperança de se tornar uma cantora famosa. Não consegue: virou uma cartomante que se vira com pequenas vigarices, ajudada por Lindoval, vivido por Stepan Nercessian, seu marido, que se apresenta em shows mambembes como cover de Sidney Magal.

Nisso, ela é envolvida na trama de um precioso anel, roubado por dois malandros e entregue a ela por engano pelo malandro menos esperto e é obrigada a voltar para São Luís, onde encontrará a irmã, que havia renegado décadas atrás.

O reencontro com a família —sobretudo a irmã, com quem teve e ainda tem enormes rixas— se dá em uma pensão onde se reúnem personagens que, em linhas gerais, poderiam ser personagens de algum seriado cômico do canal Multishow.

A comédia brasileira das primeiras décadas do século se apoiava numa estética vinda da Rede Globo, daí o apelido de "globochanchadas". A proximidade com o estilo Globo, de narração, mas também estético, era uma espécie de garantia prévia.

Essa segurança não existe mais. A própria Globo hoje tateia o terreno todo o tempo em busca de tramas, atores e estética capazes de atrair o público. Já não existe um padrão a seguir ou do qual se aproximar.

Daí se explica essa espécie de salada de gêneros, em que o diretor Diego Freitas parece preferir trabalhar numa linha menos histriônica, embora se submeta ao gosto consagrado do espectador brasileiro pelo histrionismo.

E, com efeito, é quando um fantasma vem assombrar a simpática leitora de cartas —por momentos, uma espécie de "Ghost" reciclado e com um quê de "Dona Flor e Seus Dois Maridos"— que talvez o filme chegue a seus melhores momentos.

Mas, como é preciso se garantir por todos os lados, o filme lança mão até de participações especiais sem muito sentido de Alcione e Sidney Magal. Magal, aliás, aparece por alguns segundos apenas.

Em suma, "Tire 5 Cartas" participa dessa categoria de filmes —chamados hoje "de grande bilheteria"— que, se conseguirem chegar efetivamente a obter boa frequência nas salas significa que captaram o "ar do tempo".

Pode ser, no caso, a vigarice —estelionatos não faltam no país, no momento—, a música romântica, o samba, a intervenção do fantástico —certa espiritualidade— ou do destino —o enriquecimento mágico que as cartas de Fátima tanto prometem à sua insegura freguesia— ou, finalmente, o encontro com uma família originalmente esfacelada. Como dirá a própria Fátima, "família para mim é família aberta".

O que significa, por um lado, o surgimento de uma comunidade unida pelo afeto e pelas afinidades, e por outro acena para um certo progressismo que passa pelo acolhimento a gays e transgêneros, pelo reencontro com irmãos com quem duelamos desde o berço, por viúvas que podem se casar e ser felizes e etc.

Este pode ser um viés um tanto arriscado. Mas é tão arriscado quanto descobrir o futuro nas cartas ou nos signos: para o cinema que aspira ao grande público não há alternativa que não seja arriscar.

Se der certo, pode inaugurar um novo ciclo de sucessos e se tornar um fenômeno realmente significativo. Caso contrário, não será nada, o que é infelizmente bem mais provável, seja porque os espectadores estão preguiçosos desde a pandemia —e do streaming—, seja porque o Ministério da Cultura não move um dedo para restabelecer a cota de tela capaz de minimamente permitir aos filmes brasileiros que concorram com os filmes de Hollywood.

Se o parafuso der ainda outra volta, pode-se pensar que filmes como este podem começar a ocupar o lugar das produções de Hollywood, agora empacadas com a greve de atores. Se der ainda outra, não é impossível que o público, acostumado aos filmes —em geral ruins— do confortável streaming, contente-se com isso e desencane de vez da ideia de ir assistir filmes em salas.

Para resumir: cinema está longe de ser um negócio simples.

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