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'Pedágio' filma Cubatão à Antonioni em mundo poluído por 'cura gay'

História de cobradora atormentada pela sexualidade do filho mistura suspense e humor com bela realização técnica

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Pedágio

Depois de uma recepção crítica bastante positiva de seu longa de estreia, "Carvão", lançado no ano passado, Carolina Markowicz lança em circuito "Pedágio", já exibido, com prêmios, em mostras importantes, como San Sebastián, Toronto e o Festival do Rio.

A trama do filme gira em torno de Suellen, uma cobradora de pedágio atormentada com a ideia de que Tiquinho, seu filho adolescente, é gay.

Cena do filme 'Pedágio', de Carolina Markowicz - Divulgação

Circulam pelas redes vídeos em que ele aparece todo maquiado, dublando canções de jazz. Uma colega de trabalho de Suellen indica então um tratamento novo e caro, oferecido por um pastor estrangeiro, com bons índices de sucesso. É preciso fazê-lo antes que Tiquinho complete 18 anos, mas como conseguir dinheiro?

Para completar, ela descobre que seu novo companheiro esconde joias e relógios em sua casa. Ele diz que trabalha como segurança em uma boate, mas será que é um ladrão?

Apoiada nessas premissas instigantes, a narrativa ora pende para o policial, ora para o melodrama, investindo em cenas cômicas e na crítica social, numa feliz combinação de gêneros. A cineasta demonstra estar atenta a algumas das questões mais prementes hoje no país, como o preconceito contra pessoas LGBTQIA+, a influência das igrejas neopentecostais, a desigualdade.

Há algo de humor negro nas passagens em que Tiquinho é submetido à patética e violenta "cura gay", e felizmente o personagem consegue manter sua força e vivacidade, sem se vitimizar diante da situação.

A soma desses ingredientes já faria de "Pedágio" um filme interessante, mas há ainda outro elemento fundamental, a locação.

Markowicz decidiu ambientar a história em Cubatão, na Baixada Santista, considerada a cidade mais poluída do mundo na década de 1980 e desde então objeto de uma série de iniciativas ecológicas.

É um lugar emblemático do imaginário paulista, em que a imensidão da Mata Atlântica rivaliza com as proporções descomunais das usinas e tubulações.

Já nas sublimes sequências iniciais, em planos muito abertos, o caminhar da protagonista disputa a atenção com a impressionante paisagem industrial. O fogo no alto da chaminé da refinaria de petróleo lembra a Ravena filmada por Antonioni em "O Deserto Vermelho", em que o ambiente marcado pela poluição é atravessado também por uma mãe atormentada, interpretada por Monica Vitti.

Quando vemos a beira de estrada pelas lentes de Tiquinho, que usa charmosos óculos de sol cor-de-rosa, se evidencia um parentesco com o primeiro filme colorido do cineasta italiano. A comparação não é mera analogia apoiada na semelhança vaga entre dois municípios marcados pela atividade industrial.

Carolina Markowicz presta tributo a Antonioni por sua maneira precisa de explorar o potencial dramatúrgico dos espaços, de levar em conta a expressividade do contato entre as intervenções urbanas e as formas naturais.

Nesse sentido, a cabine e os subterrâneos da praça de pedágio onde a protagonista trabalha constituem um mundo à parte, territórios que o espectador pode ter entrevisto mil vezes em viagens entre a praia e a capital sem jamais se debruçar sobre sua arquitetura invisível.

Em "Pedágio", Suellen é vivida com maestria por Maeve Jinkings, uma das melhores atrizes de sua geração, que já havia trabalhado com Markowicz em "Carvão". Excelente no papel de Tiquinho está Kauan Alvarenga, que a cineasta tinha dirigido no curta "O Órfão".

Merece registro ainda o trabalho de Aline Marta Maia como Telma, amiga de Suellen que tenta se equilibrar entre um voraz apetite sexual por desconhecidos, a fidelidade ao casamento de décadas e a fé no pastor.

Feito para ser visto em tela grande, o filme confirma o talento da realizadora e sua equipe, garantindo emoção, suspense e até algumas risadas.

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