Unknown Mortal Orchestra volta a São Paulo para desfilar indie psicodélico

Banda liderada pelo neozelandês Ruban Nielson e de sonoridade difícil de classificar fecha o Balaclava Fest

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Ruban Nielson, de óculos escuros, ao lado de outros integrantes da banda neozelandesa Unknown Mortal Orchestra

Ruban Nielson, de óculos escuros, ao lado de outros integrantes da banda neozelandesa Unknown Mortal Orchestra Juan Ortiz-Arenas/Divulgação

São Paulo

Ruban Nielson lidera uma banda que desafia clichês, tamanha a dificuldade para definir o tipo de música que faz. Mas de um chavão o neozelandês não consegue escapar —ele canta e, assim, os males espanta.

Por meio do Unknown Mortal Orchestra, que se apresenta no próximo domingo no Balaclava Fest, em São Paulo, Nielson descarrega toda a sorte de dramas, de questões familiares a problemas com drogas, em letras permeadas por um pessimismo do qual, afirma ele, tenta se distanciar na vida real.

A fala calma e o jeito bem-humorado do guitarrista contrastam com a atmosfera soturna de suas letras, que discorrem sobre como o "isolamento pode colocar uma arma na sua mão" e a "sensação de que não viverei muito além desses anos".

"Talvez eu queira tirar sarro de mim mesmo. Ou talvez eu seja muito otimista e ache legal ser cínico", diz Nielson à reportagem. "E é uma defesa. Você fica menos vulnerável quando é pessimista. Meu senso de humor também é sombrio, então pode ser uma forma de encontrar equilíbrio."

Doze anos depois de debutar com um celebrado álbum que leva o nome da banda, o Unknown Mortal Orchestra lançou em 2023 seu quinto disco, "V", no qual segue desfilando questões existenciais e a mistura solar de indie, jazz, psicodelia e funk que marca o grupo. Apesar das referências diversas, as canções passam longe de serem misturebas e tampouco descambam para demonstrações gratuitas de virtuosismo.

Também como nos registros anteriores, o álbum mais recente da banda tem várias camadas, cheias de construções quebradas, e a gravação é meticulosamente desenhada para parecer um tanto retrô.

Questionado como descreve aos filhos adolescentes a música que faz, Nielson, de 43 anos, dá risada, conta que eles "gostam mesmo é de k-pop" e que, se tivesse de explicar a um motorista de Uber o som de sua banda, diria apenas rock'n'roll, "porque ainda espero um gênero que seja fiel ao meu estilo". "Se houver um que compreenda o que estou fazendo, eu o usaria sem problemas. Rótulos são legais, como tropicália."

A conexão do neozelandês com o Brasil se estreitou recentemente. Além de mencionar Caetano Veloso como uma de suas maiores influências —okay, outro clichê— e a tropicália como um movimento ao qual recorre para lembrar "o que uma boa música é", Nielson trabalhou na produção de dois videoclipes de "V" com os brasileiros Giordano Maestrelli e Duran Sodré, que até há pouco tempo formavam o duo Vira Lata.

A tropicália é um daqueles gêneros que recorro quando quero lembrar o que música boa é. Além de serem harmonicamente avançados e melodicamente bonitos, os discos dessa época parecem ter sido divertidos de fazer. Toda aquela instrumentação e efeitos... Quando escuto aqueles álbuns, penso: 'Vamos gravar!'

Ruban Nielson

líder do Unknown Mortal Orchestra

Com ar de cinema, os vídeos de "Layla" e "Nadja", concebidos para mostrar as aventuras de duas jovens mulheres, foram filmados no litoral do Paraná e contaram com uma equipe formada por outros brasileiros.

Se antes a banda produziu clipes com animações, a ideia no pós-pandemia, afirma Nielson, era retratar "gente de verdade". "Eu tinha em mente apenas a vontade de exibir um relacionamento com intimidade. Quando vi os vídeos pela primeira vez, um atrás do outro, chorei. Eram melhores do que havia imaginado."

A pandemia foi fundamental tanto para a criação de "V" quanto para reforçar o otimismo do guitarrista. O coronavírus forçou Nielson a viajar para ajudar um tio com problemas de saúde no Havaí, onde se reconectou às suas raízes —a mãe do músico nasceu na ilha—, extraindo elementos que mais tarde poria no disco. Lá, também se reencontrou com o irmão, o baterista Kody, que colaborou na concepção do álbum.

Já o senso de mortalidade que a pandemia trouxe, em vez de jogar o músico para baixo, diz o neozelandês, gerou um efeito rebote, como se a situação pedisse uma reação. "Não virei uma pessoa mais positiva porque não acredito que coisas ruins possam acontecer, mas porque minha família e meus amigos precisam que eu seja mais otimista. Se as coisas ficarem piores, vamos precisar de otimistas no mundo."

Como "V" foi idealizado entre Havaí e Palm Springs, no estado americano da Califórnia, conhecida pelas paisagens desérticas, não é estranho que Nielson cite em suas letras palmeiras e nuvens cor-de-rosa, mesmo porque menções à natureza são algo recorrente em sua obra, como em "Swim and Sleep (Like a Shark)" e "Hunnybee".

Com tantas marcas de seu líder, o Unknown Mortal Orchestra parece mais um projeto solo sob um nome coletivo, embora Nielson negue que essa seja a intenção. Para tal, cita os australianos do Tame Impala.

"Kevin Parker é o Tame Impala, e eu não desejo isso, quero estar numa banda. Quanto mais componho e o disco avança, trabalho mais e mais com meus companheiros", afirma ele. "É um pouco como a Nova Zelândia, você começa isolado como uma ilha e depois caminha para um cenário coletivo."

Tenho de exercer algum tipo de papel de liderança, assim as pessoas não ficam frustradas e tudo não fica flutuando por aí meio que em um nada. Mas também quero que meus companheiros de banda contribuam, e por isso discutimos todos os dias como devemos tocar nossas músicas e o que podemos fazer de novo

Ruban Nielson

líder do Unknown Mortal Orchestra

Na segunda passagem pelo Brasil, Nielson, com o baixista Jacob Portrait e o irmão Kody, fechará o festival após os shows de American Football, Thus Love e Whitney, todos dos Estados Unidos, Hatchie, da Austrália, e PVA, do Reino Unido, além da brasileira TerraPlana e da meio brasileira e meio americana Shower Curtain.

Nielson conta que, há sete anos, quando visitou o país pela primeira vez, ficou chocado com a quantidade de pessoas que conheciam o Unknown Mortal Orchestra —e a popularidade da banda o parece ajudar numa espécie de terapia coletiva. "Às vezes é mais fácil encarar a vida quando componho canções sobre os meus problemas", diz ele. "Se eu estiver sendo realmente honesto em relação à maneira como me sinto, isso me dá a sensação de que posso ajudar alguém. Alguém pode ouvir e se sentir da mesma forma."

Balaclava Fest

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