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Vera Holtz protagoniza melodrama psicológico fraco em 'Tia Virgínia'

Filme de Fabio Meira é incapaz de fazer o público sentir a universalidade dos problemas dos personagens na história

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Tia Virginia

  • Quando Estreia nesta quinta (9) nos cinemas
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Vera Holtz, Arlete Salles e Antonio Pitanga
  • Produção Brasil, 2023
  • Direção Fabio Meira

Como todos sabem, o país está envelhecendo e a terceira ou quarta idades são uma preocupação e um mercado. Esqueçamos o mercado, quando se trata de "Tia Virginia". Ela é uma senhora idosa que cuida da mãe, quase centenária e que vive numa espécie de ausência eterna, ou um fantasma, algo assim.

Mas será que ouve ou entende o que se fala? Pode ser. É uma dessas coisas que ninguém pode garantir.

Outra coisa que ninguém pode garantir é que reuniões de família deem bons resultados, em particular em ocasiões como o Natal. Vem um daqui, outro dali, encontram-se todos na bela casa em que vivem Virgínia e a mãe. Todos se cumprimentam, alegres. E logo depois o caldo começa a entornar. Não é diferente em "Tia Virgínia".

Cena do filme 'Tia Virgínia', de Fabio Meira
Filme "Tia Virginia", do diretor Fábio Meira - Eduardo Martino & Andrea Testoni / Zuppa Filmes

Lá estão a irmã mais velha, Valqúiria —vivida por Arlete Salles—, e Vanda —papel de Louise Cardoso—, a mais jovem. Vêm com prole e Valquíria até com marido —interpretado por Antonio Pitanga. E quem vai dormir aonde? E vai ter o leitão para a ceia ou não? E vamos usar os preciosos copos de vinho da mamãe? Para resumir, não demora e logo estamos em pleno psicomelodrama familiar.

Ele gira em torno de ciúmes, pequenas discordâncias, ressentimentos antigos, proximidades precárias, lembranças e tristezas, observações incômodas. A presença dos sobrinhos, um médico que se entope de bebida e uma garota siliconada não ajuda.

No meio disso está a mãe. Como ela não fala, existe a dúvida: será que entende o que se fala? Virgínia garante que sim. Mas ninguém acredita em ninguém na casa. O certo é que o rosto silencioso e contraído da mãe é, desde logo, um sinal do fracasso familiar.

Será este um fracasso desta família ou toda família é essa coisa lamentável. Esse é o ponto de tudo e onde fracassa o filme de Fabio Meira: na incapacidade de nos fazer sentir certa universalidade nos problemas que somos chamados a partilhar, e dos quais a hipocrisia parece ser o menor.

Enquanto se trabalha em tom menor, a coisa ainda vai: as agulhadas sucedem-se e preparam o momento seguinte, quando tudo descamba. Então, as agressões se tornam explícitas, lava-se a roupa suja de décadas e tal.

De certa forma, parece que estamos numa peça teatral de muitas décadas atrás, cuja única vantagem é se passar num meio abastado, o que torna todas as desavenças bastantes neutras —ou seja, os problemas não envolvem dinheiro, em princípio, o que não aconteceria num meio pobre, remediado ou muito rico. Ao contrário, ainda abre espaço para, aqui e ali, verificar-se a maneira opressiva que se reserva ao tratamento dos subalternos, empregadas domésticas à frente.

Se, nessa prévia de senilidade geral, onde Virgínia expõe abertamente suas frustrações e o sentimento de ter jogado a juventude fora, há também a curiosa figura de Tavares, o marido negro de Vanda. Ele está ali como um boneco, sem voz e sem vontade de ter voz. Enquanto estiver enchendo a cara escondido parece que tudo vai bem.

Seria injusto dizer que esse é um filme sem virtudes. Mas a iluminação adequada, o controle do espaço e o desempenho das atrizes centrais, em vez de sobressaírem reiteram a fragilidade do todo. Apenas certas notas destoantes, como a altivez da empregada, Soraya, e o caráter submisso de Tavares —imagens de uma escravatura que o branco procura eternizar— dão relevo ao conjunto opaco.

Na decoração, o destaque é para uma parede da sala onde —em meio a móveis, quadros e adereços de bom gosto— retratos antigos, bem antigos, da mãe e do finado pai destoam do conjunto.

Soa estranho: embora a mãe esteja beirando os cem anos, esse tipo de retrato, que poderia ter sido tirado por volta de 1950 (a mãe teria coisa de 25 anos) remete na melhor das hipóteses a um interior longínquo, bem longínquo, a costumes que não condizem muito com uma família urbana.

Em nenhum momento existe qualquer explicitação da origem dos pais ou referência a patriarcado, o que parece significar que as imagens na parede deveriam falar por si.

Elas falam, no entanto, bem menos do que a infortunada mãe. O que talvez se estenda a todo o filme. Fabio Meira, que impressionou bastante com sua estreia em "As Duas Irenes", dá a impressão de ter andado para trás nesse seu novo trabalho.

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