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'Pajeú' se perde entre ficção e documentário e é cheio de fragilidades

Filme de Pedro Diógenes tem ideia vasta, mas arrasta o público com interpretações insustentáveis e ambientações precárias

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Pajeú

Uma jovem professora afoga-se em terríveis pesadelos envolvendo monstros e monstruosidades que surge do riacho Pajeú. Em vista disso ela sai em busca do mistério que a afeta e talvez afete ainda bem mais a sua cidade, Fortaleza.

O Pajeú é o riacho sobre o qual foi edificada Fortaleza em seus primórdios, no século 17. Mas ao longo do tempo (a partir do século 20, pode-se supor), o curso d’água foi soterrado por inúmeras canalizações, tornando-se uma espécie de fantasma na imaginação da moça.

Cena do filme 'Pajeú', que pode ser visto no streaming Filmicca
Cena do filme 'Pajeú', que pode ser visto no streaming Filmicca - Divulgação

Esse fantasma diz respeito tanto às águas quanto ao desenvolvimento urbano descontrolado e ao esquecimento. Instâncias diferentes que se superpõem ao longo do filme de Pedro Diógenes, assim como o documentário e a ficção se sobrepõem como formas de busca.

A ideia é vasta. Certamente mais vasta do que o orçamento que recebeu o filme (nestes tempos de aperto do cinema). Deve-se a isso ou a seu autor os tremendos altos e baixos que abalam o filme?

Para começar, existe um desequilíbrio evidente entre a parte ficcional e a documental. A primeira quase inexiste, deixa-se arrastar por diálogos inúteis e movimentos sem grande interesse.

E no entanto, de repente, o filme nos mostra um mapa de Fortaleza de que consta a nascente do Pajeú. Daí vamos, num corte seco, para uma tampa de bueiro, diante da qual a nossa heroína se posta, perplexa.

De longe, a parte mais interessante do filme diz respeito a essa busca de uma água desaparecida. Por vezes, "Pajeú" se insinua como um "filme das águas" (quando, por exemplo, a professora nada em uma piscina), por vezes desvia o curso e fixa-se na questão da memória e do esquecimento.

Essa última questão tem mais de um braço: pode ser coletiva (o esquecimento do riacho como perda de vínculo, de memória, mas também esquecimento das consequências nefastas da canalização dos rios) ou individual (memória pessoal, vínculo com os semelhantes).

Essas ideias por vezes superam as fragilidades do filme que as propõe; não raro, também, sucumbem a elas. Daí a visão de "Pajeú" parecer uma montanha russa, em que ora estamos no alto, partilhando as sugestões que o autor propõe à nossa imaginação, ora nos vemos arrastados a enquadramentos toscos, interpretações insustentáveis, ambientações precárias.

Em poucas palavras, a desigualdade é a marca deste filme. E nada pode melhor explicitá-la do que a patética performance de Fátima Muniz, a atriz que interpreta a professora, ao interpretar uma música de karaokê.

Ok, o cantor de karaokê é mesmo amador, aceita-se. Porém nossos ouvidos não deixam de registrar o terrível. Esse cantar poderia encerrar "Pajeú" numa nota desoladora. Logo em seguida, corta-se para uma bela imagem de águas que brilham, tão atraentes como em "Limite", de Mário Peixoto.

A imagem final salva a que a precede. E é quase todo o tempo assim. "Pajeú" sugere uma investigação sobre o desenvolvimento urbano caótico e sua repercussão sobre as pessoas e a natureza em geral. E, se não se completa, em todo caso abre um caminho que o próprio Pedro Diógenes pode desenvolver, com mais meios, no futuro.

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