Seba Calfuqueo mostra pinturas e vídeos sobre a luta dos indígenas mapuches

Exposição da artista chilena em galeria de São Paulo aborda o papel sagrado dos rios para o povo originário

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São Paulo

Durante a década de 1990 e nos anos 2000, as irmãs Nicolasa e Berta Quintremán lutaram contra a instalação de uma usina hidrelétrica no território mapuche, no sul do Chile. Foi um dos primeiros casos de mulheres indígenas enfrentando uma multinacional —a ítalo-espanhola Endesa, responsável pela obra— e o governo do país, em defesa do rio Biobío, afetado pela construção da usina.

A hidrelétrica de Ralco avançou por territórios indígenas, forçando o deslocamento de centenas de mapuches, e inundou um cemitério ancestral onde estavam os restos mortais de 56 deles. Hoje, a região do rio Biobío é o principal centro gerador de energia do Chile, de acordo com informações do site da concessionária de energia do país.

Still do vídeo 'Tray Tray Ko' (2020), de Seba Calfuqueo
Imagem do vídeo 'Tray Tray Ko' (2020), de Seba Calfuqueo - Seba Calfuqueo / divulgação galeria Marília Razuk

Um ano depois da inauguração da usina, em 2012, Nicolasa foi encontrada morta, afogada nas águas do rio Biobío que tanto defendeu, aos 74 anos. "Eu não tenho por que sair. Deixarei minhas terras morta, mas não viva", ela costumava dizer.

A história desta tragédia é recontada numa série de pinturas de Seba Calfuqueo expostas agora na galeria Marília Razuk, em São Paulo, na qual a artista de origem mapuche repassa, em telas de tonalidade azul, a luta das irmãs Quintremán pela defesa de seu território.

"No Chile, a água é considerada um elemento possível de ser explorado desde 1981. Mas para os mapuches a água não é um objeto, é um ente vivo com o qual alguém se relaciona e se vincula em relações de afeto e respeito", afirma a artista, em conversa por telefone.

Intitulada "A Voz do Rio", a exposição de Calfuqueo —artista indígena de reconhecimento internacional, com obras nas coleções de importantes museus, como o francês Pompidou—, é toda centrada ao redor da água. Não por acaso, as paredes da galeria foram pintadas de azul, criando um ambiente imersivo.

Estão em exibição também cinco peças de cerâmica esmaltada, cada uma representando uma usina hidrelétrica, três do Chile e duas do Brasil, incluindo Itaipu. As obras ficam no limite da abstração.

Segundo a artista, a ideia desta série, chamada "Barreras", é representar o corte na natureza causado pelas usinas. "Elas se instalam como energia verde, mas na prática destroem o ecossistema —o solo dos rios e a biodiversidade."

A mostra traz ainda dois vídeos do registro de performances. Num deles, "Tray Tray Ko", de 2020, vemos a artista carregando um imenso manto azul brilhoso água adentro, até chegar numa cascata, onde se banha.

Na cosmogonia mapuche, o fluxo das águas tem poder de cura, e para a artista, que é trans e também aceita pronomes neutros, este movimento representa a fluidez de gênero. "A água é uma potência não-binária, nem masculina nem feminina", ela afirma.

Seba Calfuqueo - A Voz do Rio

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