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'Bizarros Peixes das Fossas Abissais' é belo, mas parece incompleto

Embora personagens sejam um charme, é difícil não notar como filme se assemelha a uma sequência de experimentos soltos

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São Paulo

Bizarros Peixes das Fossas Abissais

  • Onde Em cartaz nos cinemas
  • Classificação 10 anos
  • Elenco Natália Lage, Guilherme Briggs, Rodrigo Santoro
  • Direção Marcelo Fabri Marão

"Bizarros Peixes das Fossas Abissais", que chega nesta semana ao circuito, teve uma jornada de produção ainda mais longa que o seu título. Foram cerca de dez anos desde as primeiras sequências feitas pelo diretor Marão até sua estreia em mostras nacionais e internacionais de animação e cinema no ano passado.

Conhecido pelas animações curtas e bem-humoradas como "Até a China" ou "Eu Queria Ser um Monstro", onde mistura stop motion e desenhos a mão, a produção é o primeiro longa do animador de Nilópolis, no Rio de Janeiro, e reflete bem uma brasilidade pulsante no seu projeto estético.

Cena do filme de animação brasileiro 'Bizarros Peixes das Fossas Abissais' - Divulgação

Primeiro, a produção se soma a uma boa onda de filmes animados nacionais, que atravessou nas últimas décadas as obras de Otto Guerra, Alê Abreu (do recente "Perlimps") ao "Bob Cuspe" de Cesar Cabral. Apostando numa animação tradicional, com uma equipe de apenas três animadores, "Bizarros Peixes" e sua trama absurda pensam uma arte em eterno rascunho —ainda mais no Brasil.

É um charme ver como os personagens na tela, desde as primeiras sequências, parecem pular do papel, cheios de hachuras, linhas de guia, pequenas imperfeições que dão charme a um elenco que inclui uma jovem musculosa com poderes de transformação (Natália Lage), uma tartaruga falante com TOC (Rodrigo Santoro) e uma nuvem com incontinência urinária, digo, pluviométrica (Guilherme Briggs).

O surrealismo é sempre bem-vindo, e a animação é o gênero onde ele pode se manifestar plenamente, incorporando a liberdade irrestrita das artes plásticas. E isso Marão aproveita como poucos, sobretudo no último terço da animação de uma hora e dez minutos.

É quando ficamos diante da tela totalmente escura, no fundo de um oceano preto, contemplando a abismal variedade dos tais peixes, espécies de guardiões de uma planta curativa que a mulher quer levar para o seu avô com Alzheimer.

O filme assume o ritmo particular do cinema mudo e apresenta um desfile de criaturas marítimas que flutuam multicoloridas entre os protagonistas, num balé de virtuosismo e de seres que se transformam com a força do lápis.

Os problemas, que dão uma sensação de incompletude ao conjunto, é a dificuldade de segurar o fio narrativo na primeira metade. Sem qualquer interesse psicológico nos protagonistas, somos apresentados a uma jornada já em progresso, onde a mulher e a nuvem lutam com seres de outros mundos em busca de fragmentos de um mapa para a planta.

A tartaruga entra de gaiato na aventura após ser arrastada por uma tempestade da lojinha onde cumpria seu dever cotidiano e obsessivo de organizar latas, alicates, sprays e rolos de pintura.

Tudo é embalado por sequências de andança por pequenos municípios brasileiros (Nilópolis, Araraquara, Tanabi), armarinhos e fortalezas antigas, em que os diálogos surrealistas podem soar até incompreensíveis de tão aleatórios.

"Minha bunda é um gorila", brada a mulher, como um "Shazam!", até ter seus glúteos transformados no símio furioso. Depois ela transformará seus poros em vacas, a orelha num pato, desencadeando mudanças igualmente inusitadas no mundo real. Mas a graça se perde rápido, depois da segunda vez que o filme tenta emplacar a piada.

Os diálogos são poucos e curtos, desvalorizando o talento dos dubladores de alto calibre. Também parece faltar um pouco de capricho no desenho de som, vide muitas cenas sem fundo sonoro ou efeitos simples que não dão conta da ambientação.

São passagens que valem mais pelo visual que por alguma artimanha de enredo, que interessa pouco até entendermos a relação que Marão faz entre o rascunho e a páginas em branco com a perda da memória do avô.

Se é notável o esforço para concluir o trabalho, que transita mais entre um tom adulto que infantil, também é difícil não notar como ele parece mais uma sequência de experimentos soltos que um longa bem estruturado.

Talvez seja uma tentação para uma equipe tão talentosa e aplicada, ciente que, desde Chuck Jones, as animações não têm limites. Mas as pontas soltas podem apenas, no final, restringir ainda mais o desempenho comercial do filme.

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