Descrição de chapéu Financial Times

Como streamings de música querem mudar negócio e não pagar artistas pouco ouvidos

Spotify quer eliminar milhões de faixas mal reproduzidas e grandes gravadoras se concentram em artistas com super fãs

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Anna Nicolaou

É correspondente de mídia do Financial Times nos Estados Unidos

Financial Times

A indústria da música, com todas as suas peculiaridades e personalidades excêntricas, tem amadurecido nos últimos anos. Suas maiores empresas abriram capital na bolsa de valores pública e os maiores investidores institucionais do mundo começaram a fazer negócios com executivos da música, com resultados mistos.

Foto tirada na loja de vinil Eric Discos, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

Mas a forma como o dinheiro flui na indústria da música continua opaca. O Spotify e outros serviços de streaming pagam "a indústria" bilhões de dólares por ano em royalties. Mas para onde esse dinheiro vai é mantido em segredo, em grande parte, porque se resume a contratos individuais entre gravadoras, músicos, empresários e outros interessados.

Nesse contexto, um novo conjunto de dados robusto da Luminate, o grupo que compila as poderosas paradas da Billboard, dá pistas sobre o dinheiro por trás da música.

A Luminate oferece algumas estatísticas divertidas sobre a dominância singular de Taylor Swift na indústria. Swift representou uma a cada 78 reproduções nos Estados Unidos no ano passado. Suas vendas de música equivalem às de uma gravadora de tamanho razoável, representando quase 2% do consumo de álbuns de todo o setor.

Os americanos passaram mais tempo ouvindo Swift no ano passado do que os gêneros inteiros de música clássica ou jazz. Não é de se admirar, então, que as figuras proeminentes do setor, como Lucian Grainge, da Universal Music, tenham tornado uma prioridade chave neste ano de monetizar os "superfãs" das maiores estrelas.

Talvez a revelação mais impressionante, no entanto, seja o pouco tempo que as pessoas passam ouvindo a grande maioria das músicas disponíveis no Spotify. Na verdade, grande parte do catálogo é pouco ouvida.

Dos 184 milhões de faixas de áudio disponíveis, mais de 150 milhões de músicas receberam apenas mil reproduções ou menos em 2023, de acordo com a Luminate. Cerca de 80 milhões de músicas tiveram dez reproduções ou menos. Dentro desse grupo, mais da metade —cerca de 46 milhões de músicas— não tiveram nenhuma reprodução.

Isso importa porque as maiores empresas do setor estão em meio a uma campanha para remodelar a forma como o dinheiro flui no streaming. Liderados por Grainge, esses serviços estão sendo pressionados a se livrarem do que ele descreveu como "comerciantes de lixo" —conteúdo que tem povoado as plataformas.

É a primeira grande mudança para reconstruir o modelo de streaming da música que está em vigor há mais de uma década. Um dos elementos mais controversos do novo modelo é a "desmonetização" —ou seja, parar de pagar— por músicas que não são muito reproduzidas.

Em novembro, o Spotify pareceu seguir os desejos de Grainge. A empresa confirmou que deixaria de pagar royalties por músicas que recebessem menos de mil reproduções por ano. A mudança rapidamente gerou críticas.

Amelia Fletcher, economista, professora de política de concorrência e cantora independente, criticou as mudanças como discriminatórias e exploradoras.

É importante observar que o Spotify, que está no meio de uma campanha radical para reduzir custos, não economizará dinheiro com essas mudanças. O grupo paga uma porcentagem de suas vendas aos detentores dos direitos musicais, que é então dividida entre os artistas com base em sua participação na audição total. Essas mudanças dizem respeito a quanto dinheiro cada artista recebe desse montante fixo.

As consequências serão maiores para as grandes gravadoras, que esperam um grande lucro com a maior parte do dinheiro indo para um grupo de músicos seleto e de alto nível.

Isso ocorre depois que a Universal Music alertou, em outubro, que introduziria um "programa de economia de custos" neste ano. Demissões devem começar nas próximas semanas, com a expectativa de corte de centenas de empregos no mundo todo, de acordo com especialistas.

Numa empresa com mais de 10 mil funcionários, não é uma redução particularmente dramática. Mas é simbólico para uma indústria que experimentou um retorno triunfal nos últimos anos, registrando um crescimento de dois dígitos em sua receita. O boom do streaming da música está desacelerando.

O Spotify estima que essas mudanças redirecionarão US$ 1 bilhão, cerca de R$ 4,93 bilhões, em royalties de volta para os artistas "emergentes e profissionais" nos próximos cinco anos.

Mas minha intuição é que isso tem menos a ver com o Spotify e mais com a indústria querer se antecipar ao futuro com inteligência artificial. Ela não quer repetir os erros cometidos durante a era do Napster, uma das primeiras plataformas de streaming para a música criada em 1999.

Se as ferramentas para criar músicas geradas por IA se tornarem populares entre fãs e pessoas comuns, poderá facilmente haver um futuro em que milhares de faixas sejam uma cópia de alguma música de Drake, por exemplo, geradas com IA, e entrem para o Spotify —para receberem poucas reproduções e depois serem instantaneamente esquecidas. Com essas regras já em vigor, a indústria da música removeu preventivamente tais faixas da equação financeira.

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