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Francisco Hurtz

Controverso, John Galliano desfila bonecas fellinianas na noite sombria de Paris

À frente da Maison Margiela, estilista cancelado por antissemitismo faz espetáculo na Semana de Alta-costura

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Francisco Hurtz

Artista visual

Bonecas de louça de Fellini ganharam vida e caminharam em descompasso pela Paris noturna imortalizada nas fotografias de Brassaï. John Galliano gabaritou dessa forma a Semana de Alta-Costura de Paris, com um desfile marcante, espetáculo maior do que a coleção de primavera e verão deste ano.

Com passagens pelas tradicionais casas de moda francesas Dior e Givenchy, à frente da Maison Margiela há uma década, Galliano comemora vitorioso os dez anos à frente da marca em momento que pouco lembra um passado não muito distante.

Look da Maison Margiela em desfile em Paris
Look da Maison Margiela em desfile da Semana de Alta-Costura de Paris - Simbarashe Cha/The New York Times

Dono de personalidade controversa, o estilista teve vídeos publicados pela imprensa britânica em que verbalizava xingamentos antissemitas contra turistas em Paris. A má repercussão mundial foi mais duradoura para Galliano que seu breve período na cadeia e custou mais que o pedido de desculpas e os € 6.000 de multa, em 2011, quando o designer foi desligado da Dior.

Como o clímax de um filme noir, o protagonista se reinventa de uma maneira não menos controversa. Num mundo cada vez mais decidido a atribuir beleza a expressões criativas não ocidentais, como tentativa cosmética de justiçamento a séculos de exploração colonial, Galliano se valeu de um apanhado referências sombrias e belas num teatro com o melhor e menos óbvio que as artes europeias produziram no século 20.

O local escolhido na capital francesa para o desfile foi a ponte Alexandre 3º, uma das mais ornamentadas sobre o rio Sena, inaugurada em 1900. A ambientação e o cenário são mais uma referência subterrânea e pouco óbvia à cidade.

Figuras estranhas andam pela luz baixa de uma noite enevoada que lembra Montmartre ou Pigalle nas fotografias de Brassaï, pseudônimo do fotógrafo francês de origem húngara Gyula Halás, conhecido pelas imagens de uma Paris de filme de mistério em branco e preto.

Cintura de ampulheta, volumes marcantes e os tecidos em toda a sua potência material —diáfano nos vestidos que cobrem o corpo como um fantasma ou fortes como nos drapeados que lembram papelão. Os modelos masculinos foram coadjuvantes para as reais protagonistas, as figuras femininas.

Todo o cenário e indumentária parecem servir à maior expressão do desfile —a pele vitrificada que transforma as modelos em bonecas de louça, que se movem como brinquedos na passarela, como a atriz Gwendoline Christie que brilhou do alto de seu 1,91 metro.

O espectador mais atento é levado a "Casanova" de Fellini, de 1976, na cena em que o protagonista interpretado Donald Sutherland dança com uma boneca automática com a mesma pele vitrificada, vestido suntuoso e movimentos pouco humanos do desfile de Galliano, com destaque ao trabalho primoroso da maquiadora Pat McGrath. A boneca viva parece ser um fetiche que ainda pulsa na cultura de 2024.

Belo e perturbador, Galliano se consagra como grande anti-herói criador da moda graças à sua própria competência.

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