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'Nosso Lar 2' é um alívio no Brasil da intolerância da direita evangélica

Novo filme inspirado em livro psicografado por Chico Xavier resgata liberdade, igualdade e fraternidade

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Nosso Lar 2: Os Mensageiros

  • Quando Estreia nesta quinta (25), nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Edson Celulari, Fernanda Rodrigues e Othon Bastos
  • Produção Brasil, 2024
  • Direção Wagner de Assis

"Nosso Lar" foi um sucesso arrebatador, visto por 4 milhões de espectadores. Em 2010, venceu disparado uma enquete descompromissada feita pelo Ministério da Cultura para saber quem o público gostaria de ver representando o Brasil no Oscar.

Difícil saber como o brasileiro de 2024, depois de tudo que aconteceu nesse meio tempo, vai receber a nova produção do diretor Wagner de Assis. Pessoalmente, confesso, senti alívio.

Cartaz do filme "Nosso Lar 2: Os Mensageiros"
Cartaz do filme 'Nosso Lar 2: Os Mensageiros' - Divulgação

O jeito de falar dos personagens melhorou um pouco. Perdeu levemente aquela entonação antiquada e professoral que marca não apenas as falas, mas também os textos espíritas mais antigos. O livro que deu base ao filme, Os Mensageiros, foi psicografado e lançado em 1944 por Chico Xavier, o maior médium do Brasil. Segundo o próprio, o texto veio por inspiração de André Luiz, personagem na história novamente interpretado por Renato Prieto.

Os efeitos especiais continuam ruins, mas ok. Desde que Luke Skywalker destruiu a Estrela da Morte, em 1979, não há produção capaz de competir com a dinâmica visual de Hollywood. Tudo é bem mais ou menos, e é preciso abstrair certas cenas para não perder o fio da meada.

O primeiro "Nosso Lar" explicava a vida além do túmulo, e como as escolhas podem levar à insanidade do umbral ou à luz da evolução numa cidade espiritual. A sequência trata do livre arbítrio pelo bem coletivo. Os mensageiros precisam resgatar três emissários que, encarnados e perdidos em sus limitações terrenas, não conseguem concretizar a obra conjunta a que se propuseram.

Entre eles está o cínico Otávio, que na pele do ator Felipe de Carolis é a surpresa no quesito interpretação. Exala a maldade e a falsidade que se espera de uma assombração errante.

Céticos podem considerar piegas os sentimentos apresentados para explicar o que deu errado no grupo. Arrogância, ganância, vaidade, rigidez, intriga, preconceito, inveja, medo —essas emoções básicas que mal gerenciadas arruínam de pequenas tarefas e grandes obras, amores ingênuos, famílias com filhos.

Vale o spoiler sem dor no coração. O espírito Aniceto, interpretado por Edson Celulari, vira a chavinha da autoajuda ao lembrar que indivíduos evoluem quando buscam sociedades baseadas em liberdade, igualdade e fraternidade, sem diferenças de raça, gênero ou classe social, por mais conflitante que possa parecer.

Os espíritos dizem que as verdades são reveladas quando podem ser compreendidas. Neste estranho momento, em que a extrema direita ainda se alimenta de polarização e sua versão religiosa brazuca, o protestantismo evangélico, prega intolerância, há um certo conforto que um filme com chances de ser visto por milhões resgate uma mensagem oposta.

Na realidade nacional, ainda marcada por desagregação, exclusão, mentira e até ódio, "Nosso Lar 2" traz a possibilidade de solidariedade, empatia, reconciliação e amor.

Por mais antagônico que seja, há componentes históricos para explicar porque um ideal universal do Iluminismo apareça dois séculos depois numa narrativa espírita.

O fundador da doutrina, Hippolyte Rivail, rebatizado Allan Kardec, não estava na Revolução Francesa —ao menos não há relato que seu espírito tenha encarnado por lá. Porém, acompanhava as contradições intelectuais, científicas e políticas de Paris em 1848, quando o lema passou a ser considerado um princípio da República francesa e, na sequência, do Estado de direito contemporâneo do século 20.

Não fosse esse o vento da época, talvez não houvesse fôlego para uma nova doutrina.

Membro da Real Academia de Ciências Naturais, pedagogo dedicado à democratização do ensino público e autor de 20 livros didáticos, Rivail foi por entretenimento e curiosidade conhecer as mesas girantes, como se chamava a levitação do objeto em apresentações para plateias lotadas. Daí, pulou para as sessões espíritas mais reservadas, que também se popularizavam.

Arrebatado pelas informações do além, entrevistou uma dezena de médiuns e publicou o controverso "Livro dos Espíritos", um extenso ping-pong com entidades do plano superior. Segundo contam, ele repetiu as perguntas a diferentes interlocutores, obtendo as mesmas respostas. Em três meses, o livro esgotou. Estava fundado o espiritismo.

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