Disco ‘Brasov Noel’ traz sopro de frescor ao lado cronista de Noel Rosa

Disco da banda Brasov reinventa repertório menos conhecido do cantor, evitando as canções tidas como politicamente incorretas

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Rio de Janeiro

A história do álbum "Brasov Noel" remonta a 2010. O grupo Brasov era uma das atrações de uma série de shows no Centro Cultural Banco do Brasil em tributo a Noel Rosa, no ano do centenário.

Na entrada da banda no palco, já se anunciava que não haveria leituras convencionais dos clássicos do artista. Seus integrantes apareceram vestidos com fantasias rosa de Papai Noel. Sim, "Noéis Rosas".

Os integrantes da banda Brasov
Os integrantes da banda Brasov - Fabio Seixo/Divulgação

A homenagem do grupo carioca ao compositor de "Com que Roupa?" se afinava com a piada. Mas ia muito além dela. "A participação deles na série foi sensacional, com arranjos que me surpreenderam muito", diz Luís Filipe de Lima, idealizador do projeto. "Eles saíram do samba e foram buscar soluções dentro daquelas referências deles, com música mexicana, pop-rock de várias matizes e som dos Bálcãs."

Fabiano Krieger, guitarrista da banda, lembra a percepção que disparou a abordagem da banda ao repertório. "A gente sentiu que Noel era um cara zoeiro. Um cronista que gostava de tirar sarro. A partir daí, estabelecemos essa identidade com a obra, que tem um espírito carioca louco."

Encerrado o show, Luís Filipe não teve dúvidas. "Temos que gravar isso", pensou. A ideia foi aceita na hora. O disco, porém, levou algum tempo.

A demora se deveu a circunstâncias motivadas, em grande medida, pela própria dinâmica da banda. "Naquele período a gente já não estava se reunindo tanto", diz Krieger. "Com todo mundo ocupado com suas coisas, nossas reuniões ficaram escassas. As ideias, não. Quando estava quase tudo gravado, queríamos mais uma coisinha. E essa coisinha demorava um ano."

Produtor de "Brasov Noel", Luís Filipe brinca, no espírito da banda, que assumiu um papel de personal trainer e dominatrix para garantir que o disco saísse do papel. Deu certo.

Confirmando sua intuição inicial, o álbum lança um sopro de frescor sobre a obra sempre atual de Noel Rosa. Um olhar valorizado ainda mais pela participação de Pedro Miranda em "Com que Roupa?", Zélia Duncan em "Com Mulher Não Quero Mais Nada" e Jards Macalé em "Onde Está a Honestidade?", retomando uma parceria que está no início da história —Macalé e Brasov dividiram o show no CCBB.

Os arranjos passeiam com uma liberdade anárquica por referências mil. Para "Onde Está a Honestidade?", a banda pensou numa introdução com um riff "meio Pepeu Gomes", para logo depois cair num samba-reggae estilizado. "Pra que Mentir" ganhou ares dramáticos de tango. "Com Mulher Não Quero Mais Nada" virou um bolero de tom brega.

"Seja Breve" é a única cantado como samba, mas não por isso menos criativa. Ouvem-se apenas caixinhas de fósforo com intervenções de violão de sete cordas de Luís Filipe, sustentando um dueto. No fim, os fósforos são riscados.

Além do processo interno da banda, houve circunstâncias externas que fizeram com que o disco ficasse um período a mais no forno. Elas têm a ver com as transformações do mundo a partir de 2010. "Quando estava quase pronto, pensamos se essas músicas eram lançáveis", diz Krieger.

O guitarrista se refere às canções que refletem traços da misoginia da sociedade brasileira de forma violenta, a despeito do tratamento jocoso. Três músicas foram cortadas, "Mulher Indigesta", gravada com Moreno Veloso, "Você Vai se Quiser" e "Vai Haver Barulho no Chatô".

"Não me sinto mais confortável falando que uma mulher merece um tijolo na testa", afirma Krieger. "A gente curtia cantar o esdrúxulo de uma situação assim, que na nossa percepção não tinha nenhum pé na realidade. A partir do momento em que a gente começa a se conscientizar, vê que isso é a realidade para muitos, não dá maispara entender como zoeira."

A banda pensou em fazer mudanças nos versos ou algo do tipo, mas entendeu que não bastava. "Talvez daqui a algumas décadas a sociedade chegue a um lugar no qual faça sentido cantar isso como piada. Mas hoje em dia não dá", afirma Krieger.

Brasov Noel

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