Descrição de chapéu Natal Consciência Negra

Papais Noéis negros fazem crianças vibrarem no Natal de Salvador: 'Da minha cor!'

Evilasio Bouças, 60 anos, e Leopoldo Conceição, 78, trabalham várias horas ao dia e animam famílias com representatividade

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Evilasio da Silva Bouças, 60 anos, posa para foto vestido de Papai Noel Rafaela Araújo/Folhapress

Salvador

Tatyane tem 4 anos e quer uma "Barbie preta" como presente de Natal. Era isso que ela repetia na fila para tirar foto com um Papai Noel com o qual ela logo se identificou. "Ele é da minha cor!", exclamou a menina, um tanto surpresa. O primo dela, José Heitor, 2 anos, espera ganhar uma bola.

Mais atrás, Zury, da mesma idade, não escondia seu encantamento ao ver um bom velhinho negro.

O Papai Noel Evilasio recebe Tatyane, 4 anos, e José Heitor, 2 - Rafaela Araújo/Folhapress

As reações, presenciadas pela Folhinha, ocorreram durante visitação à Casa do Papai Noel no Pelourinho, bairro mais antigo do Centro Histórico de Salvador, cujo nome remete ao lugar onde pessoas escravizadas eram castigadas.

Evilasio da Silva Bouças, 60 anos, é quem está agora no assento quase sempre ocupado pela versão branca do velho barbudo, de botas pretas, roupa e gorro vermelhos. Vivendo o lendário personagem pela terceira vez, ele se diz orgulhoso da representatividade que passou a ter —especialmente na capital onde mais de 80% das pessoas são negras.

"Nós, que atuamos nessa temática da questão racial, observamos a necessidade de a população negra ocupar espaços de representatividade. Essas posições são muito importantes para nossas lutas", afirma Evilasio, adepto do candomblé e membro do Conselho de Comunidades Negras soteropolitano.

A poucos quilômetros dali, Leopoldo Conceição, 78 anos, encarna um outro Papai Noel negro em um shopping da cidade. Ele conta que tudo começou em 2018, quando foi convidado para a campanha de uma empresa.

"De lá para cá, muita coisa mudou. Principalmente o reconhecimento das pessoas e a representatividade negra em diferentes espaços, sobretudo no Natal. Eu me sinto importante e representado", afirma, ao refletir sobre a simbologia do Papai Noel com traços afrodescendentes.

Crianças acenam para o Papai Noel em Salvador - Rafaela Araújo/Folhapress

Leopoldo conta que, embora o figurino e sua apresentação exijam cuidados, não segue o estereótipo do bom velhinho branco, aquele com barba enorme e barrigudinho. Mas que, apesar de não fazer o estilo barbudão e rechonchudo, conserva os pelos do rosto há quase 20 anos.

"Uso loção no pós-banho e xampu hidratante na barba para manter o cuidado. Me alimento bem, pratico atividade física na academia e adoro dançar", revela ele, que encara uma jornada de seis horas diárias até 24 de dezembro.

A maratona, garante, é recompensada pelo carinho do público. "Estar com as crianças, cada uma com suas histórias e alegrias, é a maior satisfação que eu poderia ter. As crianças se sentem maravilhadas e representadas. O mais legal de tudo é que os pais também gostam. A representatividade importa."

Leopoldo diz que cada criança traz um relato diferente para convencer o bom velhinho a presenteá-la. "Umas contam que se comportaram bem durante o ano, outras que obedeceram aos pais. Há quem diga que, quando crescer, quer ser um Papai Noel como eu. Eu me divirto com a diversidade de pedidos e histórias", afirma.

Segundo ele, os meninos costumam pedir bicicleta, videogame e celular. As meninas preferem boneca, maquiagem, patins e tablet.

Leopoldo lembra que o imaginário do Papai Noel também fez parte de sua infância. "Quando se aproximava da noite de Natal, eu acordava cedo para checar se meu presente já estava na janela do quarto. Na época, eu ganhava bonecos e, para o desespero da minha senhora mãe, também recebia bolas. Meu campo de futebol era a sala de casa, aí você já viu, né!", recorda, aos risos.

Hoje, ele celebra a diversidade em torno do Papai Noel —uma espécie de rompimento com a tradição cristã natalina europeia, centrada na figura de São Nicolau.

"Todas as cores são bem-vindas. Por que não no Natal? A celebração com Papais Noéis negros reforça a identidade e a cultura do nosso povo. As crianças agem com naturalidade, se sentem felizes, e isso é o que importa."

É o que também pensa Orlando Nascimento, 72 anos, que encarna Papai Noel pelo segundo ano, em um shopping de Lauro de Freitas, cidade da Grande Salvador.

Ele começa a mudança de visual meses antes do período natalino. "A partir de março, eu já começo a deixar a barba crescer e vou mantendo os cuidados para, quando chegar em novembro, ela ficar 100%", conta.

Quanto ao corpo, comemora o fato de não seguir padrões do que parte da sociedade ainda enxerga como único Papai Noel possível. "Quando eu visto a roupa do Papai Noel, eu entro no personagem e fico bem. Conto com ajuda, mas eu mesmo faço tudo. Coloco a barriga falsa, a roupa, o gorro e estou pronto, sempre com um sorriso no rosto."

Foi diante de sua presença que, em dezembro de 2022, o menino Ruan, então com 6 anos, ficou fascinado ao se sentir representado por um Papai Noel com o mesmo tom de sua pele. "Papai Noel da minha cor, ó! Que legal", disse o garoto, à época, num vídeo filmado pela tia e que viralizou nas redes sociais.

"Ele teve uma reação espontânea e muito sincera, o que me deixou muito feliz", afirma Orlando. "Acredito que 100% da minha audiência voltará para me ver esse ano. Me sinto satisfeito pelo reconhecimento e carinho."

Naquela ocasião, a lista de presentes de Ruan incluía uma Lamborghini, uma viagem para o rancho de Michael Jackson, nos Estados Unidos, R$ 1 milhão e um diamante. "Sem dúvida, foi um pedido que me marcou muito. Ele foi muito curioso e exagerado."

Ruan ganhou do shopping uma mega-patinete elétrica.

Se pudesse, Nascimento diz que presentearia muitas outras crianças mundo afora. "Daria, de coração, muita paz, muita dedicação às crianças, principalmente àquelas que mais precisam, que não têm um lar. E pediria ao mundo e a todos que acabassem com as guerras, porque sabemos como as crianças sofrem."

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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