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'Saudosa Maloca' reaviva Adoniran com humor de Mazzaropi e Chaplin

Em vez de apostar em cinebiografia, longa aposta na encenação de episódios inspirados na obra do sambista

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Saudosa Maloca

  • Quando Estreia nesta quinta (21) nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Paulo Miklos, Gero Camilo, Gustavo Machado
  • Produção Brasil, 2023
  • Direção Pedro Serrano

Uma das questões essenciais envolvendo o cinema brasileiro dos últimos anos é a superioridade do documentário musical sobre a representação de músicos famosos com atores e atrizes.

Há quase sempre algo estranho quando alguém conhecido interpreta músicos como Elis Regina, Gal Costa ou Tim Maia. Por mais que Andréia Horta, Sophie Charlotte e Babu Santana sejam pessoas talentosas, suas interpretações parecem se subordinar, em alguma medida, à imitação de trejeitos das personalidades retratadas.

Gero Camilo, Paulo Miklos e Gustavo Machado em cena do filme "Saudosa Maloca", de Pedro Serrano
Gero Camilo, Paulo Miklos e Gustavo Machado em cena do filme 'Saudosa Maloca', de Pedro Serrano - Divulgação

"Saudosa Maloca", de Pedro Serrano, com Paulo Miklos interpretando Adoniran Barbosa, surge como uma alternativa dentro dessa segunda instância, uma semana depois da estreia do belo documentário "Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor", de Alfredo Manevy.

Curiosamente, Adoniran (1912-1982) e Lupicínio (1914-1974) foram contemporâneos, e fizeram sambas em lugares menos óbvios como São Paulo e Porto Alegre.

Não temos propriamente uma cinebiografia, ao menos do jeito tradicional. O que vemos são episódios inspirados pela obra musical de Adoniran, compositor de "Trem das Onze" e da canção que dá título ao filme, tratados de forma cômica, por vezes infantil, o que não é um problema em princípio.

Como também não é a opção pela comunicabilidade, o modo como certas coisas são mastigadas para um público bem amplo, que eventualmente conhece a arte de Adoniran meio que de passagem, sabendo de suas músicas sem lembrar de onde vieram.

Com essa ambição comercial, não surpreende que certos lugares comuns da vida na Pauliceia de outros tempos apareçam em altas doses. Também a representação das histórias por trás das músicas, como a do fracassado samba na casa do "Arnesto", no Brás.

O modelo para esse tipo de comédia popular é inequívoco: Mazzaropi. No cinema bem-sucedido do velho Jeca, a ideia das tradições em conflito com a modernização urbana da capital paulista alavancava as cenas e as tramas simplórias, mas divertidas, por vezes inteligentemente pensadas dentro de uma noção calculada de inocência.

Explicando melhor: para se alcançar uma simplicidade na representação, é necessário certo engenho, uma inteligência para burilar diálogos e ações plausíveis, que não pareçam uma zombaria vinda de cima. O modelo se torna mais justificável porque o próprio Adoniran foi ator de "Candinho" e "A Carrocinha", filmes produzidos e protagonizados por Mazzaropi.

Mas existe outra referência clara para o filme: Charles Chaplin. Já estava evidente antes que Joca e Mato Grosso, personagens de Gustavo Machado e Gero Camilo, fizessem a dança dos pães no balcão do bar onde começam a trabalhar, do mesmo modo que Carlitos a fez no clássico "Em Busca do Ouro", de 1925.

Há ainda uma base direta, um curta-metragem do próprio Serrano: "Dá Licença de Contar", de 2015 e com boa parte do elenco do longa. Dos quatro personagens principais, uma única mudança: Iracema, paixão dos três amigos, é interpretada no curta por Aisha Jambo, e no longa por Leilah Moreno.

Algumas cenas do curta foram refilmadas no longa. O enfoque é um pouco mais adulto no curta, incluindo alguma nudez. O longa possibilita mais tempo para explorar as histórias, e com isso surge uma bem-vinda melancolia.

Uma das coisas meio tolas do longa já estava no curta: os diálogos com trechos das letras de Adoniran. Assim, quando Joca se despede de uma de suas amantes, logo no início de ambos, ele praticamente recita um trecho de "Trem das Onze" para ela.

Quando começa a ser demolido o lugar onde Adoniran, Joca e Mato Grosso moravam para dar lugar a um prédio alto, ouvimos trechos da letra de "Saudosa Maluca" saindo da boca dos três amigos.

É também um modo de comentar a especulação imobiliária que vinha junto com o "pogressio" e começava a afetar a vida em grandes cidades nos anos 1950.

Nesse sentido, o monte de frases feitas que ouvimos da boca de vários personagens são parte de uma estratégia de comunicação com os ditados, ou melhor, os "deitados" populares que Adoniran repetia e utilizava. "Nóis viemos aqui pra beber ou pra conversar?", por exemplo, foi popularizada numa antiga propaganda de cerveja.

Na tentativa de fazer cinema popular, "Saudosa Maloca" é um filme simpático, que se desenvolve razoavelmente bem dentro de sua dupla condição de comédia e homenagem a um de nossos grandes artistas.

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