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Giovanna Bartucci

Filme 'Vidas Passadas', muito mais que amor, é travessia de prazer e dor

Longa faz retrato amoroso, delicado e belo de pessoas que se distanciaram umas das outras e de si mesmas

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Giovanna Bartucci

Psicanalista, é autora de "Onde Tudo Acontece – Cultura e Psicanálise no século 21" (Civilização Brasileira), livro vencedor do Prêmio Jabuti em 2014

Sim, "Vidas Passadas", filme de Celine Song ainda em cartaz nos cinemas e já disponível para no streaming, é um filme sobre o amor. Mas, também, muito mais do que isso.

Espelhando-se na experiência pessoal da diretora sul-coreana, a cena inicial de seu longa-metragem de estreia é, na verdade, a porta de entrada e fio condutor para um quebra-cabeça complexo e, ao mesmo tempo, delicado.

Greta Lee no filme "Vidas Passadas", de Celine Song
Greta Lee no filme 'Vidas Passadas', de Celine Song - Divulgação

Do lugar de observador da cena, o espectador é, de saída, convidado a responder à pergunta lançada por um casal de narradores em off à medida que a câmera lentamente se aproxima de Hae Sung, Na Young e Arthur: "Quem você acha que eles são um para o outro?".

Sentados em um balcão de restaurante, os três conversam —saberemos próximo ao final do filme que se trata de um jantar de despedida, ao mesmo tempo que da apresentação do marido de Na Young a Hae Sung.

Após servir de tradutora entre os dois homens, o olhar de Na Young descansa sobre Hae Sung, desenha o seu rosto, escuta a sua voz, como se desejasse retê-lo em si. Mas isso já não é possível, nem mesmo necessário. É o momento de deixá-lo ir.

De fato, "Vidas Passadas" se aproxima de um "longa-metragem de formação" (coming of age) retratado a posteriori, a narrativa girando em torno do reencontro dos namoradinhos de infância Na Young —agora Nora Moon— e Hae Sung e de tudo o que isso implica.

Tendo imigrado para o Canadá com os pais vinte e quatro anos antes, Nora –vale lembrar, "nome inglês" escolhido pelo pai cineasta para a ambiciosa pré-adolescente de 12 anos— é atualmente uma dramaturga reconhecida, morando em Nova York, cujo marido ocidental também é um escritor de sucesso.

No entanto, embora tenha reencontrado Hae Sung virtualmente, por Skype, 12 anos antes, é no momento em que os dois se deparam face a face que algo se desloca de lugar dentro de si.

"Ele era apenas esse menino na minha cabeça por tanto tempo, depois essa imagem no meu notebook, e agora ele é essa pessoa física", afirma em conversa com o marido Arthur, então receoso de que ela se sinta atraída por seu namorado de infância.

Com efeito, se suas primeiras conversas por Skype, entre Seul e Nova York, após 12 anos sem qualquer contato, pouco a pouco, resgatam a intimidade infantil presente entre os dois amigos, com o passar do tempo, a vida adulta pede algo mais.

Sim, "se você deixa algo para trás, você ganha algo também", diria a mãe de Na Young, antes de partir de Seul com destino a Toronto. E é essa afirmação que acompanhamos a mulher adulta Nora desvelar por meio do resgate de um passado –a princípio com Hae Sung– ainda tão presente: as dinâmicas infantis estabelecidas entre os dois namoradinhos e os afetos que as acompanham, a saudade que sente de sua cidade natal, hábitos e valores sul-coreanos contrastantes com hábitos e valores ocidentais com os quais se identifica.

O fato é que reencontrar Hae Sung no corpo a corpo 24 anos após "deixá-lo", a faz reafirmar seu desejo de "estar onde está": "Eu atravessei o oceano Pacífico para estar aqui. Algumas travessias custam mais que outras. Algumas travessias você as paga com toda a sua vida", ela poderia ter dito.

A verdade é que "Vidas Passadas" é o retrato amoroso, delicado e belo de uma travessia, do percurso tão prazeroso quanto doloroso, de Na Young a Nora Moon.

Vidas Passadas

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