Pintura de R$ 16 milhões atribuída a Tarsila entrou no Brasil de forma ilegal

OUTRO LADO: Dono diz que não declarou porque obra está em sua família há décadas, mas Receita afirma que deveria saber

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São Paulo

Uma pintura atribuída a Tarsila do Amaral e que esteve à venda na feira SP-Arte por R$ 16 milhões entrou de forma irregular no Brasil.

O dono do quadro, uma obra datada de 1925 e que seria da valorizada fase Pau-Brasil da artista, relata não ter informado a alfândega quando trouxe a obra para o país, no final do ano passado. Mas a Receita Federal deveria ter sido avisada, segundo Renato Lourençon, chefe do despacho aduaneiro do aeroporto internacional de Viracopos, em Campinas, no interior de São Paulo.

Tela de Tarsila do Amaral de 1925 à venda na galeria OMA
Tela atribuída a Tarsila do Amaral, datada de 1925 - Filipe Berndt

Após ser ofertada pela galeria OMA na SP-Arte, a maior feira do setor no Brasil, a pintura passou a ter a sua autoria questionada por especialistas, que dizem não se tratar de uma obra de Tarsila, a pintora mais cara do país.

O proprietário do quadro, que prefere não ter seu nome publicado, afirma ter certeza de que a obra é de Tarsila, assim como Thomaz Pacheco, o galerista que tenta vender a tela. Os herdeiros da pintora contrataram um perito para tentar certificar a autoria, com resultado esperado para os próximos meses.

A tela estava no Líbano desde 1976 e entrou de avião no Brasil, segundo seu dono, que não deu detalhes de como ela foi armazenada no transporte. Ele conta que a obra foi um presente de seu pai para a sua mãe nos anos 1960, quando ambos moravam em São Paulo.

Depois, sua família teria se mudado para o Líbano e levado o quadro, que teria sobrevivido aos bombardeios israelenses no país em 1981. O proprietário conta ter trazido a obra para o Brasil por medo de que o atual conflito de Israel com o Hamas atinja o Líbano, vizinho de Israel.

Segundo o chefe do despacho aduaneiro de Viracopos, a aduana deveria ter sido informada do quadro, mas o proprietário não seria necessariamente taxado. Caso ele comprovasse que morasse fora do país há mais de um ano, haveria a possibilidade de a obra ficar isenta por ser um bem de uso doméstico. Neste caso, a alfândega poderia ou não conferir o quadro na hora de sua chegada ao Brasil.

O advogado tributarista André Felix Riccota, presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB de Pinheiros, em São Paulo, também defende que a obra não precisaria pagar impostos, dado que se trata da repatriação de um produto brasileiro. Mas ele argumenta que a Receita deveria ter sido informada.

Para um profissional que lida com importações e exportações de obras de arte para grandes galerias, incluindo pinturas de grandes mestres avaliadas em milhões de reais, a aduana precisava ter sido informada. Contudo, ele acredita que a obra deveria ser taxada, já que ela veio com o passageiro no voo.

Na chegada dos aeroportos internacionais, há uma saída específica para passageiros com bens a declarar —pela lei, devem ser informados ao fisco bens acima de US$ 1.000, cerca de R$ 5.200. A tributação é de 50% do valor do bem, descontando os US$ 1.000 de isenção. Ou seja, uma obra de R$ 16 milhões pagaria cerca de R$ 8 milhões de tributos.

O proprietário da obra descarta que a tela tenha entrado de maneira irregular no país, justamente por ela estar na sua família há gerações e porque ninguém checou sua bagagem na entrada. Ele diz que não está escondendo o assunto e que sua família não precisava —e não precisa— fazer nada de errado.

Ele argumenta ainda que não declarou a obra porque, como a autoria foi posta em questão, a obra não tem um valor de mercado e, portanto, sobre ela não poderiam incidir impostos. O valor de R$ 16 milhões foi informado pelo galerista, mas o dono do quadro diz que ela vale mais, por ter certeza de que é verdadeira.

A seção da Receita Federal em São Paulo informa que o quadro teria que ter sido declarado, independente da autoria. "Seja um valor mais alto ou mais baixo, se há valor deve ser declarado", afirma, por e-mail. Diz ainda que a avaliação do valor da obra é feita com base nos documentos apresentados pelo viajante, e que em caso de dúvida um perito habilitado pela Receita faria a avaliação.

De agora em diante, se for comprovado que a tela é mesmo uma Tarsila, o dono poderá declarar para o fisco, segundo o chefe aduaneiro de Viracopos. "É um procedimento atípico, mas eu acredito que correto, que ele [o proprietário] se apresente espontaneamente à Receita Federal e se manifeste no sentido de pagar o imposto", diz ele, acrescentando que o órgão também pode ir atrás e fazer a cobrança, sobretudo quando se trata de uma obra de alto valor.

O proprietário diz que a tela será declarada após a certificação de autoria.

Uma alternativa para evitar a taxação imediata seria o proprietário ter feito a admissão temporária do quadro. Neste procedimento, usado por feiras e galerias, a alfândega é informada e o bem entra no país legalmente, mas não paga impostos, que só serão cobrados caso ele seja vendido no prazo de um ano.

Embora o quadro tenha sido mostrado para algumas pessoas na SP-Arte, a feira disse que desconhecia a sua existência, por não ter sido informada pelo galerista de que a obra estaria lá. A pintura estava guardada numa mala acolchoada e não foi exposta na parede.

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