SP-Arte, que faz 20 anos, deu forma ao mercado e agora vai atrás do dinheiro do agro

Firmada como motor das artes visuais no país, feira se distancia da internacionalização e quer seduzir o Centro Oeste

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Obra sem título de Kazuya Sakai, de 1962, comercializada pela galeria Gomide&Co Filipe Berndt/Divulgação

São Paulo

Nas semanas anteriores à SP-Arte, os museus e as galerias de São Paulo abrem algumas de suas melhores exposições do ano, justamente para coincidir com a data da feira que, desde 2005, leva milhares de obras de arte para o pavilhão da Bienal, no parque Ibirapuera, atraindo um séquito de colecionadores, interessados ou quem só quer ver e ser visto num evento de negócios envolvido numa aura de cool, de ser o lugar para estar.

"Eu não tenho uma novidade, mas, ao mesmo tempo, tenho uma novidade, que é a gente estar aqui 20 anos depois. A SP-Arte se confunde com a história da formação do mercado de arte contemporâneo, com esta configuração de colecionadores, museus e consultores de arte", diz Fernanda Feitosa, a fundadora da feira, numa conversa às vésperas da edição que comemora duas décadas do maior evento de galerias de arte na América do Sul.

Pintura de David Almeida que estará na SP-Arte; artista é representado pela galeria Millan
Pintura de David Almeida que estará na SP-Arte; artista é representado pela galeria Millan - Ana Pigosso

A partir desta quarta-feira, 99 galerias de arte e outras 54 de design ocupam o prédio de Oscar Niemeyer no coração de São Paulo em clima de celebração do evento que as hospeda. A SP-Arte começou em 2005 com 41 galerias e público restrito, mas com o tempo se tornou um mastodonte cuja influência extrapola os limites do prédio modernista onde ocorre, movimentando todo o circuito artístico da cidade.

Ao refletir sobre o passado, Feitosa está radiante com sua cria, porque nem sempre o cenário foi favorável como é hoje. Ela lembra que o mercado de arte era muito menor e desarticulado entre si na época das primeiras edições da feira, com galerias trabalhando de maneira solitária para promover os seus programas e algumas poucas fazendo feiras no exterior.

Ainda assim, casas poderosas abraçaram rapidamente a SP-Arte —cerca de 20 das que participaram das primeiras edições da feira seguem expondo nela em 2024, como Luisa Strina, Casa Triângulo, Raquel Arnaud e Pinakotheke.

Outras, contudo, apesar de fora do evento neste ano, optaram por pegar o bonde da arte que passa em São Paulo nesta época e abriram sedes na cidade, a exemplo da gaúcha Mamute, da carioca Danielian e da paulistana Martins & Montero.

Os estandes da 20ª SP-Arte serão tomados por medalhões e nomes da nova geração. José Resende leva suas esculturas de inox e cabos de aço para o espaço da galeria Marcelo Guarnieri, enquanto a jovem Yuli Yamagata mostra suas telas feitas com materiais estofados numa solo na Fortes D'Aloia & Gabriel.

Anna Maria Maiolino, que em poucos dias recebe a láurea máxima da Bienal de Veneza, está com trabalhos na galeria Luisa Strina, ao passo que a jovem pintora Paula Siebra exibe na Mendes Wood DM.

O setor de design tem neste ano o maior número de estandes desde que passou a ser representado na feira, em 2016, e também está mais variado. A + 55 Design apresenta aparadores feitos com matrizes de gravuras de J. Borges —e as gravuras em si também serão vendidas, pela mesma marca.

No outro espectro estão os novos sofás, cadeiras e bancos de ar industrial da Prototype, queridinha dos descolados paulistanos. "As peças combinam elementos como inox polido ou ferro cromado com veludos, couros e peles, explorando traços modernistas com futuristas", diz o arquiteto Felipe Protti, à frente da marca.

Durante a sua história, a SP-Arte mirou ser uma feira de porte internacional, feito que conseguiu por alguns anos —em meados da década passada, quando o Cristo Redentor decolava na capa da revista The Economist e o Brasil vivia um boom econômico, um núcleo de galerias gigantes fazia parte do elenco, como as americanas Gagosian e David Zwirner, a britânica White Cube e a alemã Neugerriemschneider, tendo esta participado da feira por sete anos.

"Se a feira é um desastre, não vem sete anos. Se o público é ruim, não vem sete anos", afirma Feitosa, dizendo que não acha que o mercado brasileiro deixou de ser atrativo para as maiores galerias do mundo. De acordo com ela, estes marchands construíram laços de colaboração com colecionadores locais, que seguem comprando deles nas grandes feiras internacionais, como a Arco, em Madri, e a Art Basel de Miami. "A SP-Arte foi um trampolim para criar a conexão. Talvez não haja mais uma urgência e necessidade da presença física deles aqui."

Cadeira da Prototype, no setor de design
Cadeira da Prototype, exposta no setor de design da SP-Arte - Divulgação Prototype

Feitosa argumenta ainda que a perda de ritmo da economia brasileira na última década —com a disparada do dólar de R$ 2 para R$ 5— afetou o preço pelo qual as obras de artistas internacionais são vendidas.

Se antes um trabalho entre US$ 100 mil e US$ 200 mil, faixa comum praticada pelas galerias de fora, sairia pelo dobro em reais, hoje este valor está entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão, o que naturalmente diminui o número de compradores. "E nesta faixa de preço você tem excelentes artistas brasileiros", ela afirma.

Hoje, a SP-Arte está basicamente voltada para o mercado interno, sem a presença das gigantes de fora. As galerias estrangeiras são sobretudo de países da América Latina, como a uruguaia Piero Atchugarry, a argentina Herlitzka & Co e a mexicana RGR, o que atesta a atratividade do mercado brasileiro para os países vizinhos.

No Brasil, a ideia é criar um mercado fora de São Paulo e Rio de Janeiro. A primeira atitude da feira neste sentido foi uma edição realizada em Brasília, em 2014, que Feitosa considera "uma iniciativa muito importante porém talvez um pouco antes do tempo". Mas a localização da cidade se provou estratégica com o decorrer dos anos, dada à sua proximidade com o dinheiro do agro.

A SP-Arte tem ajudado a formar um mercado de colecionismo na região Centro Oeste, diz Feitosa, promovendo jantares em Goiânia e atuando em parceria com uma feira de arte local e com a galeria Cerrado, que abriu no ano passado uma unidade na cidade. Afora isso, há também a feira Rotas Brasileiras, braço da SP-Arte focado em artistas regionais e menos conhecidos que acontece no segundo semestre.

Num ano bom, a SP-Arte gera R$ 250 milhões em vendas de obras, segundo projeções da própria feira —parte deste valor é auditado pela Fazenda do Estado de São Paulo, que concede isenção de imposto para as galerias do estado, e parte é projeção. De todo modo, os galeristas costumam falar que os negócios fechados nos corredores do pavilhão da Bienal são um sucesso, sem abrir o jogo caso não sejam.

E como eles têm bastante poder, este ano a feira atendeu a uma de suas reclamações do ano passado, a de que tinha gente demais no primeiro dia do evento. A quarta-feira, portanto, volta a ser apenas para convidados, diferentemente de 2023 —o público geral pode entrar, por R$ 80 pelo ingresso, entre quinta-feira (4) e domingo (7). São esperadas mais de 30 mil pessoas.

Esta mudança foi possível graças a uma alteração recente na Lei Rouanet, que estipulava que eventos financiados mesmo que parcialmente com dinheiro público, como é o caso da SP-Arte, não deveriam ser fechados ao público.

Este ano a feira captou até agora R$ 2,6 milhões dos R$ 4 milhões a que está autorizada. Feitosa diz colaborar para que não haja muitas pessoas ao mesmo tempo nos estandes. "Não tem visita guiada no primeiro dia."

20ª SP-Arte

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