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Como Billie Eilish celebra o sexo lésbico em seu disco 'Hit Me Hard and Soft'

Artista, que canta sobre 'comer mulheres' na nova faixa 'Lunch', afirma que deixou de ser uma personagem em novo álbum

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A cantora Billie Eilish Divulgação/Petros Studio

São Paulo e Nova York

Era um fim de tarde chuvoso qualquer para quem deixava Manhattan em direção ao Brooklyn e às outras periferias de Nova York para voltar para casa depois do trabalho nesta quarta-feira. Em meio aos semblantes de cansaço que dominavam o metrô, no entanto, havia outra multidão que se destacava.

Ela era composta em sua maioria por garotas de não mais do que 25 anos, vestidas como Billie Eilish —de bonés para trás, moletons e camisetas de times, calças cargo e bermudas largas—, a caminho do Barclays Center, a arena que é lar da liga profissional de basquete feminino dos Estados Unidos.

Ali, a cantora de 22 anos apresentaria para um seleto grupo de fãs, formado por cerca de 10 mil pessoas que conseguiram ingressos gratuitos por meio de um sorteio na internet, o seu terceiro álbum, "Hit Me Hard and Soft", algo como me bata forte e de leve.

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A cantora Billie Eilish - Divulgação/Petros Studio

Sem medo de trocar carícias ou de se beijarem nas ruas, as fãs espelham, de certa forma, o disco de Eilish, que canta despretensiosamente que poderia comer uma garota no almoço e arremata "Lunch", uma das principais novas faixas, com gemidos.

A música é a que mais tem chamado a atenção do público que já escutou o álbum. O trabalho só chega às plataformas digitais na madrugada de sexta, mas já circula desde quinta em grupos de Telegram, vazado, como é comum em lançamentos de artistas americanos desse porte.

Como em seus dois primeiros discos —"When We All Fall Asleep, Where Do We Go?" e "Happier Than Ever"—, Eilish segue cantando no limite de sua voz, numa mistura de sussurros com distorções a princípio estranhas, mas que a levaram, junto com o irmão, Finneas, também seu produtor, a empilhar uma série de estatuetas do Grammy ano após ano, além de duas do Oscar.

Esta, porém, é a primeira vez que Eilish não mede palavras para cantar seu desejo sexual por mulheres, depois de ter dito à revista Variety, no ano passado, que também sentia atração por meninas, questionando se isso já não era óbvio.

O apetite lésbico atravessa todo o álbum. Agora, em suas palavras, ela não está mais interpretando um personagem. "Não que antes eu fosse uma personagem, mas havia um pouquinho disso. Este disco é a coisa mais pessoal que já fiz", diz ela aos repórteres, num áudio de WhatsApp enviado por sua assessoria de imprensa.

"Este disco reflete meu crescimento pessoal e artístico. Fica muito clara nele, e não só nas letras, a transição pela qual eu passei. É que eu finalmente me encontrei. Sinto orgulho que o álbum traga um reflexo preciso de mim, de quem eu sou e do que eu gosto."

Billie Eilish vive uma fase gloriosa. Além da recente turnê que a levou ao Brasil pela primeira vez, para uma apresentação a uma plateia de quase 100 mil pessoas no Lollapalooza, em São Paulo, ela criou um dos maiores hits do ano —"What Was I Made For?", que está na trilha sonora de "Barbie".

No entanto, em meio ao sucesso do filme, a artista viu seu nome dominar manchetes de portais de notícias voltados à cobertura de celebridades por causa de outro motivo, este não tão agradável, diz ela. Era a sua sexualidade.

Não que a cantora nunca tenha dado sinais de que faz parte da comunidade LGBTQIA+. Isso já era sugerido no clipe de "Lost Cause", lançado há três anos, no qual Eilish encena uma festa do pijama, só que sexy, com suas amigas. Mas ela nunca havia falado do assunto com todas as letras.

"Fui apaixonada por garotas durante toda a minha vida, mas não entendia isso bem. Até que, no ano passado, percebi que queria enfiar meu rosto numa vagina", ela disse à revista Rolling Stone. "Mas nunca planejei falar sobre minha sexualidade. É muito frustrante que isso tenha virado uma pauta."

Ainda que suas composições tenham um tom confessional, Eilish evita se expor e já cantou se sentir sufocada por stalkers em "NDA", faixa de seu penúltimo álbum, o "Happier Than Ever".

Agora, após superar a pior crise de depressão que diz já ter vivido, decidiu pôr um fim ao isolamento e se abrir para a curtição, um sentimento que transparece no decorrer das faixas de "Hit Me Hard and Soft".

Capa do disco 'Hit Me Hard and Soft', de Billie Eilish
Capa do disco 'Hit Me Hard and Soft', de Billie Eilish - William Drumm/Divulgação

O disco começa com "Skinny", uma canção cheia de melancolia em que Eilish lamenta a pressão estética imposta pela indústria do entretenimento. "Pessoas dizem que pareço feliz/ só porque emagreci", ela canta, com os vocais tristonhos que viraram a sua marca.

Essa foi a primeira canção que escreveu para o projeto, duas semanas antes daquela que fez para "Barbie", que usa a metáfora da boneca mais famosa do mundo para tratar da objetificação das mulheres.

Mas em "Lunch", que vem a seguir, Eilish acaba com as lamúrias. Volta a falar de comida, mas de outra maneira, ao comparar mulheres a almoços deliciosos. A diferença entre as duas primeiras faixas reflete o título do álbum —um soco com força e, depois, outro bem fraquinho.

Finneas, seu irmão e produtor, afirmou em entrevista à Rolling Stone que a ideia era fazer com que o público se lembrasse de "What Was I Made For?", de "Barbie", para logo depois ser surpreendido pelo alto astral das baterias de "Lunch". Para ele, é como se a protagonista fosse apresentada e morta em seguida.

A cantora choraminga sobre romance também. Em "The Greatest", Eilish se pergunta se seus esforços foram o suficiente para a pessoa amada finalmente prestar atenção nela. "Birds of a Feather", expressão em inglês que significa algo como farinha do mesmo saco, trata de uma paixão que ela quer viver "até apodrecer, morrer e ser enterrada".

Esses resmungos podem lembrar os de Taylor Swift, a artista mais ouvida da atualidade, a partir de um sucesso calcado em transformar em música suas frustrações, traições, rejeições e demais causos com relacionamentos amorosos.

É verdade que a produção musical de Eilish é mais sofisticada, com melodias que quase nunca nunca são lineares e surpreendem os ouvintes com deformações repentinas, sem medo de errar ou preocupação em ser chiclete para tocar sem parar nas rádios.

Liricamente, no entanto, a comparação não está errada. A diferença é que Swift canta a vida de garotas heterossexuais —com as quais outros públicos também podem se identificar, mas só até certo ponto.

Eilish, por sua vez, usa seu novo álbum para dar a toda uma geração de meninas que beijam outras meninas a representatividade que elas nunca tiveram na música pop, ao menos por uma artista com tanto prestígio e dona de cifras tão superlativas.

Hit Me Hard and Soft

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