Descrição de chapéu Moda LGBTQIA+

Gays e héteros trocam de guarda-roupas com cropped, camisa de time e bermudona

Artistas como Thiago Pantaleão e João Guilherme rejeitam a ideia de associar looks a estereótipos de sexualidade e gênero

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O cantor Thiago Pantaleão

O cantor Thiago Pantaleão Eduardo Anizelli/Folhapress

São Paulo

Sem camisa ou de regata, de bermudas longas e largas, deixando um pedaço da cueca à mostra e com uma corrente prateada no pescoço. Este é o look que Thiago Pantaleão veste quando está em casa. O cantor guarda a ousadia para seus videoclipes e os palcos, onde faz uma mistura antes incomum, adicionando croppeds, tops e luvas compridas às camisetonas e tênis que usa no dia a dia.

Pantaleão, que é bissexual, assim como o DJ Pedro Sampaio, está na crista de um movimento recente na moda —o de homens que rejeitam escolher sua vestimenta de acordo com estereótipos de sexualidade, sem se preocupar se está parecendo viril ou feminino. O mesmo acontece entre heterossexuais, caso do ator João Guilherme, que adora um cropped.

O cantor Thiago Pantaleão
O cantor Thiago Pantaleão - Eduardo Anizelli/Folhapress

Na prática, peças antes ligadas ao vestuário hétero, como camisetas de time de futebol, bermudonas e camisas polo, vêm atraindo uma porção de rapazes da comunidade LGBTQIA+.

"Vivemos um momento de mais liberdade, com o respiro de poder transitar entre guarda-roupas e ressignificá-los", afirma a consultora de moda Monayna Pinheiro. "Num primeiro momento, a comunidade LGBTQIA+ usava isso como camuflagem e disfarce. Agora, não."

"Esperam ver meu estilo de roupa na galera do rap. Quando vem um cantor pop bissexual que se veste assim, gera um nozinho na cabeça, tá ligado?", diz Pantaleão, de 26 anos. "Reforçar esse estilo é muito sobre afirmar de onde eu vim."

Crescido no que considera um ambiente heteronormativo, em Paracambi, no Rio de Janeiro, Pantaleão se define como um cria. É como se convencionou chamar quem vem de favelas, que inspira um estilo formado por peças incontornáveis no imaginário suburbano, caso do tênis esportivos de 12 molas, cordões de ouro, bermudas compridas e chinelos.

João Guilherme, crescido na capital paulista, frequentando sets de filmagens onde diz ter aprendido a conviver com pessoas LGBTQIA+, está do lado oposto de Pantaleão. Mas ele, aos 21 anos, também subverte o guarda-roupa que a sociedade ainda espera de um homem hétero.

Filho do cantor sertanejo Leonardo, ele causou polêmica ao ser fotografado de cropped e com leque na Semana de Moda de Paris em junho do ano passado. Assim, o ator jogou luz sobre a moda agênero, isto é, a ideia de que nenhuma roupa é feita para homem ou para mulher, mas para seres humanos.

A tendência faz sucesso nas redes sociais. No Pinterest, plataforma de tendências, a bermuda jeans historicamente rejeitada por homens gays ou bissexuais viu sua busca crescer 4.628% entre usuários do sexo masculino durante fevereiro, ante o mesmo período do ano passado. "Tutorial de maquiagem fácil" e "esmaltação para unha curta" também tiveram altas de 5.230% e 1.018%, respectivamente.

Harry Styles veste saia em capa da revista Vogue de dezembro de 2020
Harry Styles veste saia em capa da revista Vogue de dezembro de 2020 - Reprodução

"Se enfeitar e ser vaidoso era uma realidade da moda masculina", diz João Braga, que ensina história da moda na Faap, a Fundação Armando Alvares Penteado, há 33 anos. "Imperadores romanos e reis da Idade Média eram vistosos. No Renascimento, homens usavam salto alto, meia de seda, flores e joias."

Ele diz que o comportamento mudou na Revolução Industrial, no século 18. Na procura de roupas mais confortáveis para trabalhar, os homens deixaram a moda e as mulheres ganharam a dianteira. Foi assim até o surgimento do conceito de metrossexual, como se chamavam os homens muito vaidosos, como David Beckham, no início dos anos 2000.

Hoje as referências são outras. Os atores americanos Timothée Chalamet e Donald Glover, por exemplo, vestem peças decotadíssimas. O cantor Damiano, da banda Maneskin, que já protagonizou um clipe sensual com Anitta, usa croppeds e saias. Harry Styles, que ouve críticas por supostamente fazer "queerbaiting" —isto é, abusar de símbolos queer para se promover—, usa saia, maquiagem e esmalte.

No Brasil, Fiuk, que é hétero, também veste saia. Rodriguinho, o pagodeiro que fez parte deste BBB, usa esmalte. Enzo Celulari, filho da atriz Claudia Raia e ex-namorado de Bruna Marquezine, vê sua sexualidade ser questionada nas redes porque pinta as unhas e às vezes usa roupas emprestadas dos armários da mãe e da irmã.

"Durante um tempo se pensou que todo homem com gostos ligados ao feminino era gay. Isso é tão pouco verdade quanto dizer que todos os homens são iguais. Existem gays que odeiam moda e héteros que gostam muito", diz Mário Queiroz, escritor do livro "Homens e Moda no Século 21".

A geração Z é a principal responsável por essa tendência de moda, dizem os especialistas ouvidos pela reportagem. No TikTok e no Instagram, há vários homens gays e bissexuais angariando curtidas com looks considerados heteronormativos.

Muitos personalizam as peças, numa tentativa de imprimir a própria identidade no look. "[A comunidade LGBTQIA+] tem mais referência de estilo e acabamento", diz Pinheiro, a consultora de moda. "Vejo, por exemplo, um cuidado em dobrar a manga da camiseta ou em fazer sobreposição de camisas."

A prática gera debates acalorados na comunidade LGBTQIA+. Alguns dizem que esses homens estão deixando a feminilidade de lado porque fetichizam a figura do hétero. É o caso do influenciador Noi Augusto, que é gay, tem 30 anos e faz vídeos de moda com peças associadas ao guarda-roupa hétero.

"Vários caras dizem não curtir afeminados nos aplicativos de pegação gay, então vejo vários deles buscando parecer mais masculino numa intenção de hipersexualizar sua própria imagem."

Sua visão encontra amparo na de Thiago Pantaleão. "A comunidade gay ama aquilo que se aproxima do hétero e do viril. Quanto mais heteronormativo, mais fetichizado você é", diz o cantor.

Entre os tiktokers que misturam os dois universos em seus looks está Jhonata Teixeira, que intercala camisetas de time e bermudonas com croppeds e suéteres estampados. Há ainda Mitcho, que é gay. Ele publicou recentemente um vídeo viral em que experimenta uma chuteira prateada da Adidas.

Esta, aliás, é uma das marcas que tem se aproximado da comunidade LGBTQIA+, contratando garotos-propaganda como Pabllo Vittar, que é gay, e Jão, que é bissexual. Giovanna Aranha, gerente sênior de marketing da empresa no Brasil, diz que a Adidas não necessariamente mira os LGBTQIA+ quando contrata esses artistas, mas reconhece que há um interesse crescente desse público.

Empresas de vestuário como Youcom, Renner e Zara também já notaram a tendência. Não é difícil entrar em uma dessas lojas e ver peças antes tidas como heteronormativas ganhando cores e cortes mais ousados.

Um exemplo de peça que virou obsessão entre o público gay é a camiseta laranja da Adidas que antes era associada ao vestuário hétero, mas ganhou apelo por ser usada por um dos protagonistas da série da Netflix "Heartstopper", sobre o romance entre dois adolescentes, um deles jogador de rúgbi.

cena de série
Kit Connor e Joe Locke em cena da série 'Heartstopper', da Netflix - Divulgação

Até o futebol tem tentado se aproximar dessa tendência. O Bahia e o Vasco lançaram camisetas com as cores da bandeira LGBTQIA+ e o Barcelona criou dois uniformes virais com referências a Rosalía, uma das novas divas da música pop e queridinha da comunidade LGBTQIA+.

E a moda não pegou só entre artistas. O engenheiro civil Lucas Gesta, de 27 anos, que é gay, diz gostar da ideia de alternar camiseta de time com peças mais ligadas à feminilidade, a depender da imagem que ele quer passar no dia.

"Uma vez, num churrasco de família, estava com uma calça muito folgada e camiseta, e meu primo, que é hétero, foi com uma calça superapertada e uma camiseta mais decotada. Minha tia viu e falou ‘nossa, as coisas mudaram mesmo, né?’"

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