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Exposição de Marina Quintanilha celebra a mulher, com dor e ternura

Em primeira mostra individual, artista se inspira no movimento e na memória e explora símbolos cotidianos do mundo feminino

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São Paulo

A artista Marina Quintanilha fica de costas para uma de suas telas e, delicadamente, passa a trançar os seus cabelos ruivos, iluminados pelo sol vespertino. Ela imita o que pintou em "Uma Trança", encantada com a habilidade manual desenvolvida por todas as mulheres. "Eu queria ser homem, mas não consigo, porque sou mulher. Meu trabalho tenta compreender o apego ao feminino", diz ela, olhando para a personagem retratada, um alter ego da artista.

Obras de Marina Quintanilha na mostra "Fixação" - Divulgação

A ficcionalização de si, recurso quase obrigatório na narrativa contemporânea, busca disfarçar o ímpeto de transformar a experiência singular em universal. Portanto, as 23 telas, agora expostas na galeria Izabel Pinheiro, evidenciam a autorrepresentação de uma artista em sua primeira mostra individual, "Fixação", ao mesmo tempo que o uso de símbolos, tão próprios do universo feminino, suscita reações ao espectador, entre a dor e a sensualidade.

Em suma, é uma celebração à mulher, apesar da violência repressiva do homem, que começa ainda nos primeiros anos da vida de uma menina, seus primeiros mênstruos. Pois não existe maior ternura do que ver uma mulher passar, chegada a noite, um creme em seu corpo. A superfície cândida transborda os limites de três telas, constituindo a série "Hidratante". Sua pele alva deixa uma impressão tão mais forte que os traços dos pés, das mãos e de suas ancas.

Espalhar o hidratante no corpo é, para a mulher, um gesto de autocuidado, que não se assemelha em nada à vaidade, porque ocorre na intimidade do lar, como um movimento para dentro. Ao olhar masculino, o gesto desperta a memória involuntária, quando os olhos de menino se esbugalham diante do corpo macio da mãe, e o olfato se inebria com o perfume do creme. Talvez, o binômio "memória e movimento" consiga abarcar os sentidos de "Fixação".

Assim como o ato de trançar e de espalhar um creme, a tela "Catarse" constitui uma cena. O que se vê é uma mulher agachando, com os dedos pintados de vermelho, recolhendo os cacos de uma garrafa de vidro, espatifada no chão. O movimento, por conseguinte, se volta a um dos processos criativos de Quintanilha, que cultiva o método de gravar cenas cotidianas, para, em seguida, gravá-las, na estaticidade da tela em branco. A artista afirma que "Catarse" se inspirou nos anos do governo Bolsonaro, quando, conta ela, o país estava em frangalhos.

Para Quintanilha, o uso de um recurso estruturante da arte cinematográfica, que de igual modo conjuga memória e movimento, não é uma coincidência. A artista já trabalhou como diretora, tendo vencido, há uma década, o prêmio É Tudo Verdade, na categoria melhor curta, pelo filme "Borscht – Uma Receita Russa".

Sua carreira, de todo modo, se desenvolveu na animação, um setor bem masculino. Já a pintura sempre esteve presente em seu cotidiano, tendo, recentemente, estampado a capa do livro "A Boa Sorte", da escritora espanhola Rosa Montero.

Ela diz que aprendeu as técnicas usando o Photoshop e, há três anos, resolveu trocar a aquarela pela tinta a óleo, aproveitando que seus dois filhos estavam grandinhos e já não iam se intoxicar com a substância. "A aquarela não tem control+z", diz, entre risos. "Agora posso corrigir algumas partes e ganhei uma textura toda diferente." A primeira mostra individual é, assim, o resultado de sua nova fase, com o uso da técnica e os contornos bem assinalados.

Tal distinção formal se materializa na tinta fosforescente, numa sequência de telas, que reproduz uma festa à noite numa piscina. A artista dá vazão ali ao imaginário próprio das celebrações do tipo "pool party", associadas a todos os pecados possíveis, como a luxúria, a vaidade e qualquer possibilidade de prazer. Em "Miss Bumbum", "Festa na Piscina" e "Piscina" os traços das mulheres são feitos de rosa, lembrando as luzes de néon das baladas.

Por fim, três calcinhas, de diferentes cores, são penduradas em torneiras de chuveiros, afixados na parede da galeria. É o epítome da mulher contemporânea, que chega cansada do trabalho e vai ver alguma série. Não por acaso, a artista reproduz, na obra "Netflix", o menu da popular plataforma de streaming. "Essa é a tela que toda a humanidade mais aprecia", diz.

Fixação

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