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'Super Size Me': o que a Folha falou sobre o documentário que fez barulho em 2004

Morgan Spurlock, diretor do filme que foi sensação nos anos 2000, morreu de câncer nesta sexta, aos 53 anos

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São Paulo

O documentarista americano Morgan Spurlock morreu nesta sexta, aos 53 anos, no estado de Nova York, nos Estados Unidos.

Seu trabalho mais conhecido foi "Super Size Me - A Dieta do Palhaço", de 2004, que foi indicado ao Oscar de melhor documentário e ganhou o prêmio do júri em Sundance.

Confira abaixo a crítica da Folha sobre o filme, escrita em 2004.

O cineasta Morgan Spurlock em cena do documentário 'Super Size Me - A Dieta do Palhaço' - Divulgação

"Super Size Me" é "Fahrenheit" da fast food

Sérgio Dávila

Para o bem e para o mal, "Super Size Me", o controvertido filme de Morgan Spurlock, é o "Fahrenheit 11 de Setembro" da indústria de fast-food e a (consequente? é o que defende o filme) epidemia de obesidade dos EUA.

Para o bem porque se trata de assunto controverso, que as grandes corporações de Hollywood evitam por motivos óbvios: da fast-food vendida nas entradas das salas de exibição vem parte importante do faturamento do negócio cinematográfico.

Para o mal porque, assim como a irresistível lambada fílmica que Michael Moore dá na Era Bush, tem momentos importantes de manipulação. Um emblema desse esquema de distorcer a verdade com objetivo "nobre" não está no filme. É um fac-símile da carta que Spurlock manda para o McDonald's pedindo entrevista.

Está no site australiano [acessado em setembro de 2004] da rede e é um primor de enrolação. "Estou impressionado com o trabalho realizado pelo McDonald's juntamente de suas franquias para produzir e oferecer alternativas saudáveis para os clientes. (...) Como mencionei no telefonema, estamos fazendo um filme que abre a porta para o exame mais honesto e complexo desta questão até agora e acredito que seu envolvimento mostrará o que as pessoas já estão testemunhando: que o McDonald's está comprometido com o futuro saudável da América."

O que se vê, no entanto, é um diapasão de um lado só, que pode ser resumido assim: por 30 dias, o diretor resolve só se alimentar no McDonald's, fazendo as três refeições em alguma loja da rede. Contrata três médicos para acompanhá-lo. O resultado é ganho de peso, estouro nos níveis de colesterol, sintomas depressivos, baixa na libido e problemas no fígado, que ganha "consistência de um patê", como diz um dos médicos.

Ele prova sua tese: só se alimentar de hambúrgueres, sorvetes e refrigerantes faz mal. De quebra, consegue bons momentos, como quando mostra o calculado apelo junto às crianças que essas redes têm. Não é pouco, mas não é muito mais do que isso.

Uma coisa é certa: manipulativo ou não, depois de assistir a este documentário é provável que você passe a sentir eriçamento de pelos da próxima vez que ouvir a indefectível pergunta: "Fritas acompanham o pedido?".

Na carona de Michael Moore

Rafael Cariello

Em "Super Size Me", Morgan Spurlock faz o papel de um Michael Moore (aquele, de "Tiros em Columbine" e agora de "Fahrenheit 9/11") mais magro e simpático, disposto a provar que um Big Mac pode ser tão prejudicial à sua saúde quanto um maço de cigarros ou a política antiterror de George W. Bush.

Amparado por três médicos e uma namorada vegetariana, Spurlock filma a experiência pessoal de passar um mês fazendo três refeições ao dia no McDonald's.

Mas a questão interessante do filme acontece ao largo do processo de destruição do fígado e da forma física do cineasta.

Quem é o verdadeiro responsável pelos malefícios do excesso de consumo de fast food nos EUA -e o fato de isso aparentemente ser a causa de o país ter se tornado uma terra de obesos-, as cadeias de lanches rápidos e pouco nutrientes ou quem escolhe se entupir de sanduíches?

Com mão leve, Spurlock monta seu argumento: um médico compara o poder viciante da comida ao da heroína, o diretor narra sua própria melhora de humor durante as refeições, seguida de desânimo nos intervalos, há a responsabilidade atribuída às propagandas de TV e aos parques de diversão presentes nas lojas do McDonald's.

Num dos momentos de melhor humor (?!), o cineasta anuncia uma alternativa para inviabilizar essa "perversão" da infância pela rede do palhaço amarelo e vermelho: dar um soco no filho toda vez que passarem diante de um fast food. Há momentos mais assustadores: a namorada de Spurlock diz, ali pela metade do mês, que o rapaz está tendo sua vida sexual afetada.

Enquanto isso, ele segue as regras: comer, até o fim dos 30 dias, todos os itens do cardápio. Na primeira experiência com os baldes de comida, outro momento de terror: entupido, o diretor vomita. A massa pastosa é focalizada, para desgosto e repúdio da plateia. O paralelo é claro com o consumo de cigarros e as supostas responsabilidades da indústria tabagista, interessada em manter todos dependentes da nicotina.

E a mesma perseguição é sugerida para os pobres gordinhos americanos: um entrevistado pergunta por que é socialmente aceito recriminar um fumante, mas não um obeso "dependente" de Big Macs.
O curioso é que o maior dependente do sanduíche que aparece, um californiano que diz já ter comido mais de 19 mil combinações de Big Mac —nove deles num mesmo dia, seu recorde—, é mesmo bem magrinho.

"Mas ele quase nunca come as batatas fritas", explica o diretor. Ah, bom.

"Super Size Me" é um filme que prova seu argumento: de fato, comer por um mês, três vezes por dia, todos os dias da semana, no McDonald's parece fazer mal à saúde.

A verdadeira discussão —se tenho o direito de me matar lentamente com Big Macs, cigarros ou o que for— segue —e isso é uma qualidade do filme— inconclusa. Mas Spurlock ainda vai ter que comer muito Quarterão com Queijo para se transformar em um Michael Moore.

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