Como Pietrina Checcacci recusou a abstração para pintar o corpo da mulher

Artista amiga de Hélio Oiticica e Anna Maria Maiolino seguiu a figuração para entender o 'olhar feminino sobre o mundo'

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São Paulo

Se na década de 1960 o abstracionismo abriu novos caminhos para a arte, o entusiasmo em torno do movimento também isolou aqueles artistas que preferiram seguir com a representação. Foi o caso de Pietrina Checcacci, que se dedicou ao corpo feminino quando este ainda era persona non grata no circuito artístico.

Pietrina Checcacci 1941, Malabarismos, 1975
'Malabarismos', de Pietrina Checcacci, 1975 - Ding Musa/Divulgação/Ding Musa

Agora, suas telas são expostas na galeria Galatea para a individual "Táticas do Corpo". Corpos femininos de curvas engrandecidas e cores fortes parecem homenagear os traços do colombiano Fernando Botero, ávido defensor do volume, não fossem os ângulos inusitados em que são retratados.

"Desde o início, meu enfoque era o olhar feminino sobre o mundo. Não é um trabalho político, mas é político para as mulheres", diz Checcacci. Aos 82 anos, a artista não tem boas memórias do começo de sua carreira, quando assinava as telas apenas com o seu sobrenome para evitar olhares masculinos tortos.

"Se fosse artista mulher, era fraca, débil. A arte era considerada decorativa. Eu era bonitinha, e achavam que beleza e inteligência não tinham nada a ver", diz. As repetições de partes do organismo feminino geralmente pouco exploradas na arte, como dedos, unhas, calcanhares e joelhos, parece fazer as pazes com a ideia de que o corpo pode ser sacro e erótico ao mesmo tempo.

Não é por acaso que seus corpos enormes parecem ter sido filtrados por uma lente grande angular. Além da observação constante, os desenhos retorcidos foram influenciados por fotografias de Evandro Teixeira, seu amigo. Na juventude, ele tirou fotos de Checcacci com a lente que a deixou "maravilhosa e deformada".

Nascida na Itália, Checcacci veio ao Brasil com 13 anos. Frequentou a Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, onde fez amizade com Hélio Oiticica, Antonio Dias, Anna Maria Maiolino e Lygia Clark. Diferente deles, porém, ela preferiu seguir com a arte figurativa. "A arte abstrata não servia para mim, e naquele tempo tinha que ser assim", diz.

Mas sua obra não escapa da influência dessa "turma boa", lembra a crítica de arte Fernanda Morse. O traço dos desenhos de seus primeiros trabalhos, como os estendartes "Sob o Signo de Câncer" e "Família Brasileira", por exemplo, lembram os de Rubens Gerchman em "Não Há Vagas" ou de Anna Maria Maiolino em "O Herói".

Com o passar dos anos, Checcacci se dedicou também a modelar seios, dedos e pernas em tamanhos de pessoas ou de um palmo. Para ela, a escultura é "jocosa e lúdica, para as pessoas brincarem". Exemplo são duas pernas torneadas feitas em bronze que, quando sobrepostas, se encaixam perfeitamente, como quando cruzamos as pernas.

Ativa no Instagram, a artista se diverte ao postar vídeos em que mostra o funcionamento de suas obras e fala sobre o sentido de suas pinturas, desmistificando o trabalho artístico.

"Sempre foi difícil, trabalhei pra caramba. Mas tudo bem. Acho que quem escolhe o caminho da arte tem que saber que se trata de um caminho incerto", diz, sem perder o entusiasmo. "O artista que está comendo todo dia está no lucro. Mas eu não me importo, estou fazendo o que quero e gosto."

Táticas do Corpo

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